Insônia.

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Felipe Zaghetti


Passei a madrugada pensando no que Tarik me disse, tentando ter sono, levando em consideração que os remédios não ajudam muito em minha insônia. É reconfortante poder olhar para fora através da janela de Pacagnan. Muitos carros e pessoas passando em qualquer horário do dia. Isso me faz refletir e pensar em como seria a minha vida se eu não tivesse uma doença mental. Tento me imaginar em uma vida normal, mas não tenho nem noção de como é isso. Desde adolescente já vinha mostrando alguns sinais do meu transtorno. De cara, minha família e muito menos eu, não tratamos de forma séria, até então, não tínhamos tanto conhecimento sobre essa área. Provavelmente esse foi um dos motivos para meu caso ser tão grave. O diagnóstico foi tardio, o que me prejudica em muitas áreas da minha vida. Não tenho previsão de melhora e muito menos de alta no hospital, mas eu gosto daqui. Sinto que venho perdendo a minha vida, todavia, não posso viver como uma pessoa comum. Isso costuma ser deprimente, mas tendo duas pessoas que priorizo muito aqui dentro, isso se torna irrelevante. Aprendi a lidar com os meus sentimentos, justamente para não sofrer ainda mais. Olho de relance para Tarik e ele continua dormindo, enquanto usava seu aparelho CPAP. Infelizmente pelo ocorrido, ele vem tendo apneia e para de respirar algumas vezes durante o sono. Nem consigo imaginar o quanto isso incomoda a dormir, mas é necessário.

Olho para o relógio da parede e percebo que não se passa das 03:00 AM ainda. Me levanto lentamente para não acordar Tarik e sigo até a porta, caminhando pelos corredores, que agora, estão mais vazios do que o comum, com apenas alguns médicos e enfermeiros de plantão. Não costumo ser alguém ansioso, mas algo me diz que preciso saber o que vem acontecendo entre meus dois amigos, por isso, vou até Rafael, que hoje está de plantão no hospital. Pelo horário, é provável que esteja em sua sala ou no refeitório. Já passei tantos meses nesse hospital que já decorei cada canto, inclusive, até as rotinas dos médicos. Gosto de estar aqui, mas como costuma ser um tédio, procuro coisas diferentes para fazer. Por mais que o edifício é imenso, tudo vai sendo muito repetitivo, e não posso sair sem ter a presença de alguém. Me sinto uma criança de castigo. Comprimento todos que passam por perto, notando um ambiente mais agradável. Sei que ainda podemos estar correndo perigo, principalmente por não sabermos se Batista tem ou não um cúmplice, mas apenas de poder sentir as coisas normalizando, por menor que seja, me faz tentar ser positivo. Bato em sua porta em antes de entrar de forma sutil, para não assusta-lo. 

— Felps? Aconteceu alguma coisa? O Pac tá bem? — Ele tira a atenção de seus afazeres e parece preocupado. Não costumo ir a procura dele tão tarde e isso pode parecer estranho.

— Tá tudo bem! Só tem algo me incomodando e preciso tirar de mim. — Fecho a porta e me sento naquele mesmo sofá de sempre, não sendo algo incomum para nós dois. Havia vários papéis em sua mesa, principalmente receitas de medicamentos, que provavelmente está revisando no momento. — Por que você e o Pac estão estranhos? — Sua feição muda drasticamente, parecia muito preocupado e tentava pensar de forma articulada em responder. — Quando perguntei, ele me disse que você saberia explicar melhor. — Vou direto ao ponto, até porque, odeio todo tipo de enrolação.

— Sei que você não tolera mentiras, então, vou te contar a verdade. — Suspira pesado, vindo de encontro a mim, sentado-se ao meu lado. — Quando você teve aquele surto e sumiu, o meu mundo caiu. Senti medo de você não voltar, de não poder te rever. A minha cabeça tava uma verdadeira confusão, ainda mais com a morte de Mike tão repentina. — Ele olha para baixo, sentindo sua voz embarcada, sinal de que está chorando. — Pac também estava conturbado, e tentamos te encontrar de todas as maneiras possíveis, até mesmo, pedimos acesso as câmeras da cidade! — Me surpreendi em perceber que eles passaram muito tempo tentando me encontrar, mesmo estando em fase de luto. Não sei se conseguiria ter essa capacidade. — E eu sentia sua falta... Falta de te sentir. Por isso, no meio de tudo aquilo, eu acabei beijando o Pac. Fiz isso pensando em você, eu juro! — Agora, ele parecia desesperado, tentando me explicar que não foi algo intencional. Não sei bem o que sentir, mas não é como se eu me sentisse traído, visto que não temos um relacionamento amoroso.

— Ei, Rafa... Tá tudo bem! — Faço um carinho em suas costas, tentando te passar um certo conforto. — Não é como se eu fosse te impedir de ficar com outras pessoas. Nós temos sim algo maior do que uma amizade, mas isso não nos impede de nada. — Sou sincero, sentindo seu olhar sobre mim. Sei que no fundo, ele provavelmente gostaria que tivéssemos algo a mais, porém é uma situação que envolve muitas coisas, principalmente por conta do meu transtorno. — Vocês estão estranhos por que sentiram medo de me chatearem? — Ele apenas assentiu, parecendo assimilar toda aquela situação. — Pode ter certeza que é mais fácil eu me chatear por não ter sido chamado para o beijo. — Tento descontrair e ele acaba por soltar uma risada. Não me sinto muito bravo, muito pelo contrário, um alívio percorre o meu corpo, por saber que aos poucos, as coisas serão normalizadas entre nós.

— Você é realmente um bobo. — Agora quem solta uma risada, é eu. Logo me deito no sofá, relaxando. — Vai dormir aí? Não consegue mesmo ficar longe de mim, não é? — Ele diz de maneira cômica.

— É isso mesmo. Muito difícil ficar longe de você! — Devolvo a forma que ele me abordou, mas não disse nada que não seja mentira. — E como tá indo as investigações? — Mudo o percurso da conversa, querendo saber de novas informações.

— Ainda estamos suspeitando sobre ter um ajudante, mas Batista não colabora. — Ele parece pensativo. — A única coisa que os policiais acharam, foram pegadas maiores do que as dele lá na casa. — Me sinto esperançoso com essa notícia.

— Não é muito, mas pode ajudar! — A conversa finaliza ali, visto que Rafael precisa trabalhar. Decido permanecer ali e caso o sono viesse, poderia tirar breves cochilos. Gosto da companhia de Lange. Toda essa situação entre ele e Tarik me deixaram um pouco confuso. Por conta do meu transtorno, é difícil demonstrar carinho e afeto. Rafael é o único que consigo mostrar tal coisa, mas não foi de uma hora para outra. Não quer dizer que não posso amar alguém, mas é difícil dizer de forma exata, o que é o amor na minha mente. Sinto algo maior por ele, mas ao mesmo tempo, também desenvolvi uma amizade muito próxima com Tarik, o que me fez ter sentimentos mais aflorados.

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