Plano.

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Tarik Pacagnan


Após uma noite não tão boa de sono, decido me levantar bem cedo para fazer o meu treino matinal. Como o regulamento do hospital ordena, nunca deixo de avisar a Rafael quando começo e finalizo os meus treinos, afim de controlar o quanto me exercito. Ser ativo fisicamente é algo saudável, mas para o meu caso, existe um certo limite que não posso ultrapassar. Mesmo depois de tanto tempo, é difícil me acostumar com todas essas regras, levando em consideração que continuo tendo um transtorno, independente do tratamento. Ele não tem cura, apenas será mais suportável com o passar o tempo. Tendo Lange como médico, é impossível não me esforçar pela melhora. Com a insônia de Felipe, acaba se levantando em seguida, me acompanhando em alguns exercícios, mas logo parou, alegando se sentir muito cansado. A verdade é que ele é totalmente sedentário e sequer se esforça para tentar ser um pouco mais ativo. Perdi a conta de quantas vezes eu e Rafael chamamos sua atenção por isso. Sua teimosia é maior do que qualquer sermão. É por essas e outras e se tornou comum termos certas discussões, mas são coisas tão pequenas, que não afetam o nosso dia a dia. Nós três somos pessoas diferentes, e do mesmo jeito que isso é um ponto positivo, também pode ser negativo.

— Tá parecendo uma galinha nessa posição. — Felipe diz, enquanto termino o meu alongamento. Como sempre, muito insensível.

— Pelo menos serei um velho flexível. Você vai ficar deitado sem conseguir se mexer. — Com o tempo, fui aprendendo a ser assim com ele, e confesso que a nossa comunicação melhorou bastante depois disso.

— E tem coisa melhor do que isso? Se eu pudesse, ficava deitado o dia todo, seu burro! — Quando finalizo tudo, olho para trás, vendo-o deitado novamente, enquanto mexe em seu celular.

— Precisamos ir ver o Rafa. — Após minha fala, ouço seu suspiro pesado. — Sem preguiça, não estamos em um resort de férias. Precisamos dos nossos exames em dia! — Decido puxa-lo pelo braço. Qualquer um sabe que ele é bem mais forte do que eu, mas hoje, acabei vencendo. Pelo menos uma vez por semana, além de fazermos exames com outros médicos do hospital, precisamos fazer um check up com Rafael, para termos certeza de que o tratamento vem trazendo os resultados desejados. A nossa sorte é que temos um médico muito cuidadoso e responsável com nossos tratamentos em mãos. Mesmo com ele ou Mikhael, consegui ver resultados significativos. 

"Plano", capítulo trinta e seis.


— Vocês nunca levam isso a sério! — Ouvimos o sermão de Rafael, logo após começarmos uma guerra de palitos. A sala nunca se mantém organizada quando estamos juntos. — Se comportem e vão ganhar pontos de obediência pra sairem do hospital! — Não demorou mais do que dez segundos para estarmos nos lugares adequados para a realização do check up. A vontade de poder andar além do grande complexo, é imensurável. Sei que é apenas uma questão de tempo para podermos aproveitar um dia fora dessas paredes brancas. E principalmente, sem supervisão de alguém.

— Ficou sabendo alguma coisa de Batista? — Felipe pergunta, enquanto tinha sua língua para fora, enquanto Rafael analisava. Deixei uma pequena risada escapar.

— Sua pena ainda não foi decretada. Literalmente, porque ele ainda não falou sobre o seu possível ajudante. — É de uma revolta gigantesca pensar que algo tão mínimo, vem adiando o inevitável. Nessa altura, não sinto que Batista teria motivos para mentir, ao menos que queira acobertar alguém muito especial.

— Tem alguma ideia de qual será o próximo passo dos investigadores? — Pergunto, ainda intrigado com toda a situação. São tantos meses passando pela mesma situação, que é quase como estar em um loop.

— Dei uma ideia aos investigadores e eles aprovaram, mas queremos saber de você, Pac. — Seu olhar é sério, parecendo um pouco apreensivo. — Ele ainda fala sobre você e o quanto gostaria de te ver, pelo menos, por uma última vez. — Suspeitava sobre isso, mas jamais imaginaria que eu era um assunto recorrente nos interrogatórios. De alguma forma, desejava que eu fosse apenas parte de seu propósito maior, e não que houvesse um sentimento maior. — O plano, é que você tire a medida protetiva e vá visita-lo. — Começo a negar com a cabeça e sinto minhas mãos sendo seguradas de maneira firme por Rafael. — Essa é a única forma que temos dele confessar ter um ajudante. — É tudo muito assustador, principalmente pensar que estarei ao lado da pessoa que matou quem eu tanto amo. Se chegou nesse extremo, é porque não existem mais alternativas.

— Eu espero que essa seja a última vez que precisarei fazer isso. — De forma indireta, aceito participar do plano. Se não der certo, estaremos em um beco de saída. Ouço seu suspiro aliviado e logo pegando seu celular, provavelmente avisando aos investigadores. Rafael já fez muito pela investigação, apenas quero tornar as coisas mais fáceis para todos. Ainda não sei, como de repente, muitos desse hospital, viram algo em mim, que eu jamais fui capaz de enxergar. Ser desejado não é algo ruim, mas ao mesmo tempo, é sufocante pensar que sempre vai existir alguém querendo minha amizade, justamente por segundas intenções. Ser educado e bondoso com todos, às vezes, não é um ponto tão positivo.

— Estaremos lá para te ajudar, de qualquer forma. — Felipe está ali, ao meu lado, me dando apoio, mesmo que seja de uma maneira diferente do comum. Ter me acostumado com sua personalidade, foi algo que transformou moldou relação para o que é hoje. — Ele não pode fazer nada com você.

— Não é nem louco. — Mesmo um pouco longe de nós, preparando algumas coisas para alguns testes comuns, Rafael parece atento a cada palavra dita por nós dois. — Eu não teria essa ideia se soubesse que não estaria seguro. Aliás, depois é só colocar a medida protetiva de novo, por mais que acredite fielmente que ele não sairá de lá nunca mais. — A verdade é que apenas aceitei participar do plano, por saber que posso confiar em Lange, até mesmo, de olhos fechados. No fim, todos nós temos o mesmo desejo: Fazer Batista pagar por tudo o que fez.

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