Capítulo Dois

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Cecília Aspen
Edimburgo, Escócia - 2016

A chuva forte lavava meu rosto a cada passo que eu dava nas calçadas de pedra. Os raios fortes iluminavam o céu anoitecido e tudo que eu queria neste exato momento, era que a chuva me carregasse e me levasse para qualquer lugar, seria melhor do que estar aqui.

Minha cabeça girava, eu estava encharcada e me sentia ridícula, uma verdadeira farsa, mentirosa e covarde. Aquilo não deveria ter acontecido. Tudo estava fadado a dar errado no momento em que eu disse "sim" naquela maldita igreja. Fui burra o suficiente ao ponto de me apaixonar pelo maior filho da puta que já pude conhecer.

"Ele é um bom homem minha filha, vocês devem ficar juntos, lhe trará muita felicidade." Você não estava cem porcento errado, pai, mas também estava longe de estar certo.

O homem que jurou no altar de uma igreja me proteger, me honrar, me cuidar e me amar o resto da vida, não passava de um mentiroso agressivo e possessivo, que fez absolutamente tudo, menos honrar suas palavras. Quando uma promessa deixa de valer para você, ela deixa de ser uma promessa e se torna apenas palavras vazias, das quais você se arrepende de ter prometido.

Foi exatamente o que Enrico fez. Me prometeu os céus e a terra, o sol, a lua e tudo de mais clichê que existe, e não foi capaz de me respeitar. Não soube agir como um homem e confiar em mim, apenas deduzir, gritar, me acusar e no fim de tudo, me bater. É assim que funciona quando algo para de fazer sentido, você descarta, larga ou destrói, exatamente como ele fez.

Eu tive um dilema a minha vida inteira, de que nunca aceitaria ser desrespeitada por alguém que jurou fazer de tudo pela minha felicidade e olhe para mim agora. Me sinto estúpida e ingênua, pois estava bem na minha frente, todos os sinais de que algo estava errado e mesmo assim, eu continuei em um casamento sem fundamentos, que já não existia mais amor. Se é que um dia existiu.

💋

— Não pode fazer isso, minha filha! — minha mãe dizia, enquanto me olhava com os olhos marejados. — Nós daremos um jeito.

— Que jeito? — pergunto, assim como já havia feito a mim mesma inúmeras vezes. — Porque eu não vejo outra saída para mim, mãe.

— Ele não irá tocar em você, não tem esse direito!

— Ele já tocou — informo pela milésima vez. — Você nunca conhecerá Enrico da mesma forma que eu, ele é capaz de tudo e irá me caçar nos quatro cantos deste país. Eu não tenho saída.

— Nossa família é poderosa. — ela dizia.

— E a dele é muito mais, ele poderia me matar e ninguém nunca saberia, porque Enrico é mais do que só um grande nome.

— Não pode viver com medo.

— Eu sei que não, mas ele não me deixará em paz enquanto eu estiver na Escócia — meu peito doía em uma angústia dolorosa a cada palavra minha dita. — Preciso fazer isso, madre... Me perdoa.

Fiquei ali parada, sentada no sofá de sua enorme sala de estar, esperando que minha mãe falasse algo que iria me confortar e não me deixar o fardo em pensar que irei abandoná-la. Mas ela nada disse, tudo que fez foi sair do cômodo, sumindo pelo corredor extenso, de onde meu pai saiu.

— Sinto muito por isso. — peço e vejo em seus olhos que ele mais do que minha mãe entende a necessidade que eu tenho.

— Não é culpa sua, figlia. — ele disse, com seu sotaque italiano carregado.

— Eu sei que não, papà, mas minha mãe nunca vai entender isso — digo baixando a cabeça. — Ela nunca entende.

— Olhe para mim — meu pai pede, se aproximando. — Aquele homem fez tudo que eu não pensei que faria, eu dei minha benção ao casamento de vocês sem imaginar que um dia ele a desrespeitaria como fez e eu lhe peço perdão por isso.

Papà...

— Não, você sabe que é verdade, eu os apresentei e nunca poderia pensar que o grande homem que conhecia não passaria de um grande canalha desgraçado — vejo seus olhos marejarem, meu pai, que nunca demonstrava qualquer tipo de fraqueza, estava prestes a chorar. — Me perdoe, bambina...

— Você não deve me pedir perdão, papá — tento acalmá-lo, pegando em sua mão. — Eu tive um casamento bom por muito tempo, se Enrico mudou, não foi culpa sua.

— Eu poderia ter evitado.

— Nem eu consegui... — sinto minha voz vacilar. — Ninguém além de mim poderia ter sido capaz de evitar o que aconteceu, não se culpe por isso.

Era verdade. Enrico me deu todos os sinais de que nada mais era como deveria ser, dos mínimos até os mais grotescos e a gota d'água para mim teve que ser o extremo, pois eu estava cega para enxergar. Precisei apanhar do homem que deveria me proteger, para entender que ele era tudo, menos a pessoa que prometeu me honrar.

Ti amo, papà... — beijo sua bochecha antes de me levantar. — Espero que vá me visitar.

— Prometo. — vejo as lágrimas rolarem dos olhos do homem mais forte que já conheci, papai se levanta do sofá onde estávamos e me apresso em abraçá-lo.

Não quero ter que ir embora, não quero deixar minha família, meus amigos e toda minha vida aqui. Mas se isso significa colocar todos e a mim própria em segurança, então que assim seja, não hesitarei em proteger as pessoas que eu amo, mesmo que isso signifique deixá-los.

Ti amo, bambina. — meu pai beijou minha bochecha e me acompanhou até o aeroporto.

Ficamos todo o percurso sem dizer uma única palavra. Por um momento me arrependi de não ter me despedido de minha mãe, meu irmão e minha melhor amiga, mas eu prefiro que saibam pelo meu pai. Jamais teria a coragem de confrontá-los, de ver em seus olhos que não me queriam longe mesmo que só a algumas horas de voo e não queria ser o motivo de suas lágrimas. A verdade é que eu sou covarde demais para me despedir.

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Estrelinhas? 🩶

Senhorita AspenOnde histórias criam vida. Descubra agora