Capítulo Doze

201 21 0
                                    

Adeline Percy
Chicago, Estados Unidos - 2018

A queda se torna acolhedora quando se está caindo à muito tempo, as vozes da sua cabeça se tornam suas melhores amigas e os cortes nos seus braços se tornam irrelevantes. Toda a dor que você acumulou, havia sido enterrada, junto com o corpo do seu abusador.

Uma. Duas. Três. Quatro. Doze facadas.

Ainda sentia seu sangue quente em meu rosto, sentia toda a adrenalina sumindo e se tornando um sentimento único de alívio. Alívio, porque, ele nunca mais iria me machucar. Nem à mim, nem à ninguém.

A teoria da morte é sempre mais fácil do que a prática. A vida está sempre te preparando para lidar com o luto da perda, mas nem sempre com a culpa de uma morte. Você nunca será ensinado a lidar com o fardo de ter matado, porque matar nunca lhe foi ensinado.

Eles lhe ensinam a lutar, a se defender, a persistir, mas nunca a matar caso seja necessário, pois esperam que nunca seja. Mas um dia, você precisa, porque nada pararia ele, nada pararia sua sujeira, além da morte. E ninguém à faria, ninguém. Então, você fez.

E agora paga por isso.

Não porquê a policia determinou, afinal, eles foram subornados. O caso nem sequer fora documentado para ser arquivado, todos tiveram seu silêncio comprado. E você foi silenciada da pior forma.

Te apontaram como louca, paranoica, pois o homem que lhe abusou por anos nunca poderia ter feito, ele nunca seria um abusador. E você seria para sempre mentalmente doente.

A mancha de sangue no tapete da minha casa não bastava, os cortes em minhas coxas e braços não eram o suficiente, o meu diário escrito com a porra das minhas lágrimas só provou o que eles pensavam. Que eu era louca.

Parece que os loucos só vivem em um lugar. E não, não é o país das maravilhas que a Alice tanto amava.

Em um dia você mata por sobrevivência, porque, caso não fosse feito, quem estaria morta era você. E no outro, homens de dois metros te arrancam a força do quarto e te levam do país. Você perde a liberdade, perde a vida que não costumava ser boa, mas que esperava ficar com o passar do tempo. Sua mente agora não é sua única prisão.

Paredes brancas se tornam sua casa, uma cama, um vidro inquebrável para os outros assistirem sua loucura, se preferirem e nada mais. Quando enfermeiros grandes entram e te seguram a força para tomar remédios que não quer, te aplicam injeções dolorosas que você nunca precisou e depois saem, te deixando sozinha outra vez, com dor nos braços pela força, exausta por se debater e com ódio. Ódio. É só isso que você sente.

Pensou que seria acolhida depois da morte e o que recebeu foi uma internação nos Estados Unidos. As lágrimas que escorrem durante a noite quando as luzes são apagadas, não são de tristeza, são de cansaço. Medo. Repulsa. Solidão.

Queria estar com sua irmã. A pirralha de cabelos loiros e a risada tão contagiante. Por que durante anos de episódios, ela era a única pessoa que estava do seu lado, mesmo sem saber o motivo de sua dor e sem saber que doía, só ela estava lá. Só ela te entendia e te acolhia, mesmo você sendo a irmã mais velha.

Poderiam ter me tirado tudo como fizeram, minha liberdade, minha dignidade e a chance de me erguer. Menos Angelina. Ela era a única coisa que eu me importava de verdade.

Quando tudo parecia cair na minha cabeça, quando o mundo parecia estar contra mim e tudo parecia me perseguir, ela não. Ela estava ali, me mostrando qualquer coisa idiota no celular, me perguntando sobre músicas e me contando sobre sua aula de piano. E nada importava, só ela, porque ela nunca esteve contra mim. Ela estava comigo quando nossos pais decidiram que eu seria só uma hospede indesejada e me olhava como a melhor pessoa da vida dela.

Eles me internaram pela loucura inexistente, pela morte de um estuprador, pelo diário sincero que eu tinha na gaveta e não sabiam que me deixar longe da única coisa que eu amava de verdade na vida, me destruiria mais do que anos de abuso.

💋

Vozes que não eram da minha cabeça se aproximavam uma vez a cada duas semanas pelos corredores. Não eram enfermeiros, nem médicos ou terapeutas, ao menos alguém com uma arma para acabar com aquilo. Mas sim, uma mulher inglesa e bem vestida, que vinha sempre me desferir palavras cínicas e compaixão falsa.

— Como se sente, meu bem? — perguntou minha mãe, com a aura falsa.

Eu não lhe dizia uma única palavra, nem quebrava seu contato visual. Ela via muito bem o que fazia comigo, mas não ligava.

— Eu venho aqui todo mês e mesmo assim, você resolve me ignorar — como se isso fosse muito. — Quem sabe eu devesse te deixar sozinha por um tempo.

— Devia pedir seu dinheiro de volta se acha que eu já não fico sozinha o suficiente. — digo.

— Um dia você voltará para casa, minha filha. — diz, como todas as vezes à cinco meses.

— Quando? — pergunto. — Quanto eu estiver louca de verdade e tiver alucinações reais? —irônica.

— Quando estiver mentalmente estável para conviver novamente em sociedade. — ela dispara, com tom ríspido, como se eu fosse uma verdadeira assassina cumprindo pena na prisão.

— Olha, Georgina — a chamo pelo nome. — Vocês não precisavam ter me expulsado do país e me mandado para um hospício se me quisessem bem de alguma forma.

— Isso é um hospital psiquiatrico.

— Foda-se o que isso é — digo, ainda calma. — Você acha que eu mereço essa merda?

— Você matou um homem, Adeline. — ela diz, como se eu não soubesse.

— Eu matei um estuprador, mãe — digo. — O meu estuprador de anos, caralho, você e o Timothy nunca prestaram atenção em nada, nunca nos deram nada além da ausência, como poderiam notar algo assim, não é?

Aquela conversa era inútil, seu narcisismo não a deixava prestar atenção em nada e mesmo assim, eu falava. Falava, porque queria criar algum índice de culpa em sua mente.

— Aquele filho da puta me mataria se eu não tivesse agido primeiro — não altero o tom em momento algum, não lhe daria motivos. — E vocês preocupados com ele, eu sou a filha de vocês, cacete! Eu!

— Adeline... — ela tenta dizer algo, seu olhar de cinismo me irritava. Ela me irritava profundamente, a mulher que deveria ser tudo para mim, que deveria me proteger, me mantinha acorrentada e me dava asco juntamente com o homem que eu queria que fosse meu herói.

— Quer saber, vai embora — peço. — Só volte se for me deixar ver Angelina e se for para me tirar daqui. Eu não quero mais te ver.

E ela saia, calada, como todas as vezes. Ela não vinha me visitar, ela vinha pela minha decadência, pela situação miserável que eu estava, porque, ela e Timothy tinham me colocado ali e só tirariam quando sentissem vontade. E sinceramente, eu não esperava que fosse tão cedo.

💋

Estrelinhas? 🩶

Senhorita AspenOnde histórias criam vida. Descubra agora