Afogar as mágoas

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*1 mês atrás*

Havia passado menos de uma semana desde a partida de Aziraphale, e Crowley havia dedicado maior parte desse tempo a beber no Pub próximo á livraria. Enquanto sorvia o vinho mais barato que o estabelecimento tinha a oferecer, falava consigo mesmo num murmúrio embriagado.

— Eu tenho mesmo sorte. — disse o demônio enterrando a sua cabeça em seus braços—Nós podíamos ter ido jantar ao Ritz depois de eu finalmente ter coragem para lhe dizer o que sentia. Mas nãoooooooo, é claro que o "Metatron" tinha de aparecer e estragar tudo.

No meio da confusão bar, uma mulher de pele escura e cabelo longo entrou, vestindo roupas simples sob um casaco de tons sóbrios. A mulher era Nina, a dona da cafetaria do lado oposto á livraria.

— Mais uma garrafa, por favor. — pediu Crowley ao empregado do pub.

— Nem pensar! — gritou Nina, tão alto que se podia ouvir do lado de fora do bar. — Pelo menos, se vais afogar as mágoas, podias escolher um vinho decente. — disse indignada.

— E isso importa por quê? — perguntou Crowley claramente chateado por ter sido interrompido.

Nina respirou fundo — Estás claramente bêbado. Vamos, eu levo te a casa, precisas de descansar. — falou enquanto ajudava Crowley a se levantar. 

 "Descansar?" pensou ele "Eu não preciso de descansar! Eu estou perfeitamente bem". Nina, ignorando os protestos físicos de Crowley, o levou para o seu apartamento.

Crowley mal entrara no seu apartamento desde o incidente, indo lá apenas para tirar as suas plantas que estavam no Bentley desde que fora expulso do seu aposento pelo inferno. O apartamento do Demónio havia sido habitado por Shax após Crowley deixar de servir ao inferno. No entanto, quando ela o deixou de habitar depois da invasão da livraria, o apartamento foi lhe devolvido. 

Nina levou o Demónio ao seu apartamento, acompanhando-o até ao segundo andar, antes de esperar vê-lo entrar.  Após se certificar que ele entrou em segurança ela se foi. Crowley caminhou pelo hall de entrada com passos desajeitados, os seus pés pareciam pesados e incertos, enquanto se apoiava nas paredes para manter equilíbrio ele embateu contra uma pequena mesa que sustentava apenas um jarro de vidro com uma rosa branca dentro.

O jarro caiu no chão com um estrondo, estilhaçando-se em muitos pedaços que se espalharam pelo hall. Crowley ajoelhou-se no chão sobre os cacos cobrindo o rosto com as mãos. Aquela flor era a única planta com que Crowley nunca levantara a voz, a única planta que ele dava o devido carinho. Aziraphale a havia presenteado na inauguração da livraria e Crowley a guardara desde ai.

O Demónio olhou para a flor e os estilhaços sobre o chão molhado através dos seus óculos de sol. Os olhos de Crowley encheram-se com lágrimas que escorreram formando caminhos húmidos no seu rosto.

                                                                          *

   *Presente*                               

 
Crowley estacionou o Bentley  em frente á porta do seu apartamento, desligou o motor e saiu do carro com uma elegância inata, caminhou até ao prédio e subiu as escadas até ao segundo andar. A porta do apartamento abriu-se, Crowley entrou e fechou a porta atras de si mergulhando no silêncio do seu aposento. Ele andou em direção ao seu escritório e acidentalmente pisou cacos de vidro que estavam no chão do hall, ele olhou para a flor em cima da mesa que havia começado a murchar e sentiu uma dor no coração. Olhou novamente em frente e continuou o seu caminho até ao escritório.

Passou pelas suas plantas, algumas murchas e com manchas nas folhas, numa situação normal Crowley havia começado a gritar e a reclamar com as plantas, mas desde da partida do Anjo ele deixara de se importar. O Demónio chegou ao escritório, sentou se no seu trono e descansou os pés em cima da mesa. 

Crowley podia muito bem ajustar o seu despertador para daqui a 100 anos como fez no século 19, mas todas as vezes que tentava dormir pesadelos terríveis o assombravam, e acabava por acordar após apenas 20 minutos. Ainda assim, decidiu tentar novamente. Não suportava mais estar acordado, especialmente porque já nem podia mais se embriagar depois de Nina ter pedido ao dono do Pub para deixar de servir Crowley.

Ele fechou os olhos e buscou adormecer mais uma vez.


Chuva Ácida (Good omens)Onde histórias criam vida. Descubra agora