A flor

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Londres 1793

O dia da inauguração da livraria amanheceu radiante, com os raios de sol filtrando pelas janelas e iluminando o ambiente. Aziraphale, com um sorriso de satisfação, observava os preparativos finais antes da abertura oficial. A livraria estava impecavelmente arrumada, cada detalhe meticulosamente planejado para receber os visitantes.

Enquanto isso, do lado de fora, uma multidão começava a se aglomerar, ansiosa para explorar o novo estabelecimento. Entre os presentes, destacava-se a figura de Crowley, que adentrava o local com seu típico charme despojado. 

Aziraphale irradiava felicidade ao ver Crowley presente na abertura da sua tão aguardada livraria. Seus olhos brilhavam com gratidão e alegria enquanto observava o amigo adentrar o estabelecimento. Com um sorriso caloroso, ele se aproximou de Crowley e estendeu a mão em saudação.

— Que bom ter te aqui Crowley! — exclamou Aziraphale, com genuína felicidade transparecendo em sua voz. 

Aziraphale abriu as portas da livraria para os visitantes, convidando Crowley para uma visita guiada pelo espaço meticulosamente decorado. Os seus olhos brilhavam com orgulho enquanto ele guiava Crowley pelos corredores repletos de estantes cheias de livros cuidadosamente dispostos. Cada detalhe era uma expressão do amor e dedicação de Aziraphale pelo seu trabalho. Crowley seguiu Aziraphale, admirando a atmosfera acolhedora e a variedade de obras expostas. Ele podia ver o esforço e a paixão de Aziraphale em cada detalhe, e isso o deixava genuinamente impressionado.

No final da visita, quando os clientes já tinham partido, Aziraphale aproximou-se de Crowley com um sorriso caloroso nos lábios. Expressou a sua gratidão pela presença do demónio e por todo o apoio que ele tinha oferecido.

— Muito obrigado por teres vindo, Crowley — disse Aziraphale sinceramente. Com gentileza, Aziraphale entregou a Crowley a flor que ele tinha colhido em França, agora imortalizada graças ao milagre do anjo.

Crowley hesitou por um momento, olhando para a flor com uma expressão indecifrável. — Não, anjo, eu não posso aceitar isso — Disse ele finalmente, com um tom sério. — Tu usaste um milagre para manter essa flor viva, e agora vais oferece-la a mim? Isso não seria justo para contigo. —

Aziraphale, com um brilho de determinação nos olhos, ignorou a recusa de Crowley e insistiu com um sorriso amável.

— Por favor, Crowley, aceita-a. — disse ele, colocando delicadamente a flor na mão de Crowley. — É um agradecimento por teres vindo —

Crowley olhou para a flor por um momento, tocado pelo gesto do amigo. Sentiu uma onda de emoção tomar conta de si, mas manteve sua expressão impassível. Por dentro, porém, ele estava profundamente comovido. Era raro alguém demonstrar tanto apreço por ele, e o gesto de Aziraphale significava mais do que palavras podiam expressar.

Com um aceno de cabeça solene, Crowley finalmente aceitou a flor, segurando-a com cuidado.

— Muito obrigado, Aziraphale. — disse ele, sua voz carregada de emoção contida.

Aziraphale sorriu, satisfeito por ver a reação de Crowley.

                                                                                           *

Céu, Presente

Aziraphale olhou confuso para o ecrã do computador e decidiu clicar na notificação. O vídeo de Muriel a orar a ele começou a reproduzir.

— Senhor Arcanjo Aziraphale, sei que a vida no céu não é fácil e que deve estar cheio de trabalho, ainda mais sendo o Arcanjo supremo. Obviamente, nunca saberei o quão árduo é esse trabalho, mas resolvi tentar isto porque estou realmente preocupade com o senhor Crowley. Ele tem aparecido raramente na livraria. Eu até tento falar com ele e já lhe dei alguns dos seus diários para ele se lembrar de si, mas ele parece sempre inquieto e perturbado. Por favor, ajude-me. Não quero mesmo interromper o seu trabalho, então qualquer ajuda serve. Amém —

Aziraphale sentiu um turbilhão de emoções. "O Crowley leu os meus diários?"

Agora, com Muriel a pedir ajuda e o pensamento de Crowley a ocupar ainda mais a sua mente, Aziraphale sentia-se dividido. Ele queria descer à Terra e ver por si mesmo o que estava a acontecer com Crowley, queria abraçá-lo e ajudá-lo, mas o medo de desagradar a Deus e Metatron mantinha-o hesitante.

A cada minuto que passava, Aziraphale revivia memórias de Crowley e dos tempos que passaram juntos. As páginas dos seus diários deviam estar cheias dessas recordações. "Será que Crowley encontrou algum consolo nas minhas palavras?", pensou.

Apesar do seu desejo ardente de ajudar, Aziraphale sabia que qualquer ação precipitada poderia ser mal vista. A imagem de Metatron, sempre vigilante, surgia-lhe constantemente à mente, recordando-lhe o dever de manter a ordem e cumprir as suas responsabilidades celestiais.

Depois de muito ponderar, Aziraphale decidiu não fazer nada. Por mais que desejasse voltar para Crowley, a sua mente não o deixava em paz. "E se apagarem o meu nome do Livro da Vida? Ou o do Crowley?" Aziraphale sabia que não poderia viver com o peso de saber que o fim de Crowley seria sua culpa.

Assim, Aziraphale voltou ao seu trabalho, tentando afogar as suas preocupações na rotina celestial, mas o pensamento de Crowley nunca o abandonou por completo.

                                                                                                   *

Após ler mais um dos diários de Aziraphale, Crowley sentiu um vazio dentro de si. Desta vez, ele não chorou e não se deixou abalar. Simplesmente levantou-se do chão frio do seu apartamento e dirigiu-se ao parque. Embora Crowley, sendo um demônio, não precisasse de "apanhar ar fresco" como dizem os humanos, ele insistia em fazer isso cada vez que se sentia maldisposto.

Era de noite, e não se ouvia ninguém, apenas os grilos a cantar no silêncio noturno. À medida que Crowley andava, o céu ficava mais repleto de nuvens.

Quando finalmente chegou ao parque, começou a chover. As gotas caíam pesadamente, molhando-lhe o cabelo e as roupas, mas ele mal notava. A raiva fervilhava dentro dele. Com um movimento brusco, chutou um caixote do lixo, fazendo-o voar e espalhar o seu conteúdo pelo chão.

— Maldito Aziraphale! — gritou, a voz cheia de dor e frustração. — Como é que pudeste deixar-me assim?

A chuva misturava-se com as lágrimas que ele insistia em negar, e Crowley deixou-se cair de joelhos na lama, os punhos cerrados.

— Tu eras a única coisa boa neste maldito mundo... — murmurou, a voz quebrando-se. — Como é que pudeste partir?

A raiva e o desespero diluíam-se na chuva, enquanto Crowley permanecia ali, sozinho no parque, sentindo o peso da ausência de Aziraphale como nunca antes.

— Que embaraçoso — disse uma voz atrás de Crowley.

Crowley levantou-se de repente e virou-se.

— Oh, tu outra vez — respondeu, rapidamente limpando as lágrimas e tentando disfarçar o momento vulnerável que estava a ter. — O que queres agora, Shax?

Shax, com um sorriso de desprezo, aproximou-se lentamente, observando a chuva que caía sobre eles e o caos ao redor.

— Parece que estás numa forma particularmente interessante hoje, Crowley. — Ela observou a chuva a cair e o caos ao redor com um olhar indiferente. — Imagino que já tenhas pensado na proposta que te fiz.

Chuva Ácida (Good omens)Onde histórias criam vida. Descubra agora