O coreto

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Com passos apressados, Gadiel adentrou o escritório celestial, segurando uma pilha de arquivos tão grande que parecia prestes a desmoronar. A cada passo, os documentos se agitavam em suas mãos, ameaçando escapar de seu controle a qualquer momento. Com um esforço concentrado, ele finalmente conseguiu depositar a pilha sobre a mesa de Aziraphale, que estremeceu sob o peso repentino.

O Arcanjo, surpreendido pela entrada tão repentina e pela chegada de tal quantidade de documentos, olhou para Gadiel com uma mistura de curiosidade e expectativa. Antes que pudesse questionar o motivo da visita, Gadiel começou a falar, sua voz ressoando no silêncio do escritório.

— Meu senhor —  Começou ele, sua respiração um pouco ofegante pela corrida — Metatron enviou estes arquivos. Eles contêm os planos para distrair o Inferno enquanto nos preparamos para executar o Grande Plano. Ele exige que os execute imediatamente. —

Aziraphale absorveu as palavras de Gadiel, sentindo o peso da responsabilidade sobre seus ombros como uma carga invisível. Ele compreendeu que não havia espaço para hesitação, o tempo era precioso e não podia se dar ao luxo de desapontar Deus, como havia acontecido no passado.

                                                                                                 *

Crowley ergueu-se lentamente do chão e passou as costas das mãos pelos olhos, num gesto rápido e discreto para limpar as lágrimas. Seu olhar encontrou Maggie e Nina, que o observavam com preocupação evidente.

— Não é da vossa conta — rosnou ele, sua voz carregada de hostilidade. — Saiam daqui e deixem-me em paz. —

A sua expressão endureceu, os olhos faiscando com uma raiva contida. Nina e Maggie trocaram um olhar preocupado.

— Nós não vamos a lado nenhum até sabermos o que se passa contigo, Crowley — disse Maggie, firme. —Tu podes tentar afastar-nos com essa tua atitude, mas não vamos deixar-te sozinho a sentir pena de ti mesmo. —

A raiva de Crowley aumentou diante da insistência das duas. Ele sentiu as chamas da sua ira queimando dentro de si, consumindo-o por dentro.

Sem pensar duas vezes, Crowley empurrou Maggie e Nina para fora do caminho, saindo do apartamento e batendo a porta com força. O som ecoou pelo corredor vazio enquanto ele se afastava rapidamente, determinado a fugir da presença das duas mulheres.

Nina e Maggie correram para a porta, tentando alcançá-lo, mas quando finalmente saíram do apartamento, não havia sinal de Crowley. Ele desaparecera sem deixar rasto, como uma sombra na noite. As duas olharam em volta, perplexas e preocupadas, sem saber para onde ele poderia ter ido.

                                                                                  *

Passou mais de uma hora desde que Crowley deixara o seu apartamento, e agora ele vagueava pelas ruas de Londres, perdido em seus próprios pensamentos tumultuados. Cada passo que dava parecia um esforço para afastar a dor que o consumia. A tristeza pela partida de Aziraphale começava a se transformar lentamente em raiva, uma chama ardente que queimava dentro dele.

As luzes da cidade brilhavam ao seu redor, mesclando-se com a escuridão da noite. O som dos carros passando e das vozes distantes dos transeuntes ecoavam em seus ouvidos, mas ele mal os registava. Seu foco estava totalmente voltado para a tempestade de emoções que o assolava.

Crowley apertou os punhos com força, sentindo a fúria borbulhando dentro de si. Ele desejava poder gritar para o céu, para o universo inteiro, e exigir uma explicação para toda aquela dor. Mas ele sabia que não havia resposta que pudesse satisfazê-lo, nenhuma justificativa que pudesse apagar a ferida que Aziraphale deixara em seu coração.

Então, ele continuou a andar, cada passo alimentando a chama da sua raiva. Não tinha destino, apenas a necessidade de afastar a dor que o consumia. O mundo ao seu redor desaparecia enquanto ele mergulhava mais fundo em sua própria escuridão, perdido em um mar de emoções turbulentas.

Após algum tempo vagando pelas ruas de Londres, Crowley encontrou-se no Parque St. James, um oásis de tranquilidade em meio ao tumulto da cidade. As luzes da metrópole ainda brilhavam ao redor, contrastando com a serenidade do parque à noite.

Enquanto caminhava entre as árvores e os bancos vazios, chegou ao coreto, um lugar que evocava lembranças dolorosas, mas preciosas, de seus encontros com Aziraphale. Com um suspiro pesado, Crowley sentou-se nos degraus do coreto, mergulhando em seus pensamentos tumultuados.

Crowley ergueu os olhos para o céu, tentando capturar um vislumbre das estrelas que pontilhavam o firmamento. No entanto, como sempre desde que caiu, não conseguia vê-las. A única forma que encontrara de contemplar suas queridas estrelas era através dos olhos de Aziraphale, cujo brilho rivalizava com o das constelações. Mas agora, nem isso ele tinha.

Crowley estava imerso em seus pensamentos sombrios quando uma voz sibilante o tirou do seu transe.

— Olá, traidor  — Ressoou a voz atrás dele.

Crowley virou-se abruptamente para encarar Shax, cuja presença enviava arrepios pela espinha de qualquer um, ou pelo menos era isso que ela pensava. A demónio estava impecavelmente vestida, sua expressão sinistra realçada pelo sorriso sádico que dançava em seus lábios.

— Shax... — Murmurou Crowley, sua voz carregada de desconfiança.

Shax avançou lentamente em direção a ele. 

—  Crowley — Disse ela, sua voz sibilante ecoando pelo ar.

Chuva Ácida (Good omens)Onde histórias criam vida. Descubra agora