[0] - Introdução

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ATENÇÃO: Essa obra aborda conteúdos que podem gerar gatilhos em leitores sensíveis, tais como: violência, consumo de drogas, descrição de cadáver, sexo explícito, morte, transtornos psicológicos, estupro e mutilação.

Brooklyn, Nova York - Distrito 2

Agosto de 2023.

"Strumming my pain with his fingers, singing my life with his words..."

A gota de água continuou pingando sobre o balde de alumínio no canto do cômodo espaçoso, mas úmido o suficiente para causar irritação nas narinas mais sensíveis. Ninguém realmente fechou o registro daquela torneira há anos e Yan estava contando os segundos junto do gotejamento irritante. Ele sabia que Fugges e Lauryn Hill levavam exatamente cinco minutos para cantar Killing Me Softly With His Song, então deduziu estar acordado há quase uma hora.

Todo o seu corpo doía.

Dos dedos dos pés até os fios de cabelos pegajosos, junto do latejar irritante na nuca. Doendo o suficiente para fazê-lo concluir que a surra da noite anterior foi a pior de toda a sua vida, ainda que a lista seja interminável.

Os pulsos queimavam graças ao esforço inútil de se livrar das cordas ásperas apertando a pele machucada, o material grosseiro e manchado com o próprio sangue gotejava o líquido viçoso no chão de concreto remendado e, a cada segundo, Yan sabia que o fim estava mais e mais perto. Cercando-o feito um predador faminto, mas consciente o suficiente para temperar sua caça com doses absurdas de um medo que ele sequer reconhecia.

Logo ouviu passos, mas não se moveu demais para tentar enxergar algo entre a costura barata e fétida do saco de náilon ao redor de sua cabeça. Os vultos do outro lado eram irreconhecíveis, não fosse pelo simples detalhe dos sapatos de grife que apareceram em seu campo de visão quando aquele homem parou diante de si.

O couro brilhava denunciado o valor exorbitante do par, entregando de uma vez a identidade cafona de seu dono. Havia até mesmo uma fivela de ouro em cada lado da peça de grife.

Yan respirou fundo.

— Tire isso, deixe-me ver. – a voz grossa cantou dentro dos ouvidos machucados de Yan.

Uma mão pesada segurou a ponta do saco de náilon e puxou sem qualquer cuidado, agarrando alguns dos fios longos e descoloridos entre os dedos grosseiros, sacudindo um pouco do corpo grande que cambaleou para frente, puxando as cordas envoltas na coluna alta. Yan grunhiu pela dor em seu ombro direito e fechou os olhos, apertando-os forte graças às luzes muito claras do lugar. Luzes que ele não via há quase três dias.

Ele olhou ao redor, concentrado, piscando para afastar a dificuldade causada pela ausência de luz anterior.

Paredes de tijolos vermelhos, úmidas e cobertas com um pouco de mofo na parte onde encontravam o piso de concreto. Sem janelas, apenas a luz artificial de uma dezena de lustres de ferro trançados em colunas enferrujadas abaixo do telhado industrial. Cheirava a urina, pólvora e merda. Ele cuspiu.

Ao fundo do galpão, ele viu dois carros blindados com as portas abertas, uma mesa longa demais e posta com diversas armas de fogo, dólares empilhados em quatro torres tortas e pacotes amontoados de cocaína. Extravagante demais. Cinco homens parados, portando fuzis pesados, estavam perto dos portões de ferro. Um deles aberto.

Ele ignorou a presença conhecida no canto menos iluminado.

Um cativeiro.

— Veja só que está de joelhos agora. – o homem diante dele chamou sua atenção. Yan olhou primeiro para os sapatos caros outra vez e sorriu ladino, esticando os lábios sujos de sangue seco – Vamos, olhe para cima, Monsuta.

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