[23] - A Raposa

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Kei aceitou o copo de água, mas não bebeu mais de dois goles antes de devolvê-lo a bandeja que uma empregada segurava. Ele secou as lágrimas, outra vez, e observou o irmão velho. Yan andava de um lado para o outro do escritório, um celular contra o rosto e outro dentro da mão grande, apertando-o.

Lá fora, Los Angeles vivia a pior tempestade dos últimos anos.

— Você tem cinco minutos, Rose. – Yan desligou a chamada. Imediatamente seu olhar caiu sobre Kei e ele ficou ainda mais angustiado. Enraivecido. Quase quarenta anos protegendo-o desse mundo, protegendo-o dos riscos e dos sentimentos dolorosos da herança amaldiçoada de sua família, tudo jogado fora. Tudo perdido dentro do olhar assustado e culpado do garoto. – Olhe pra mim.

Ele se aproximou, ajoelhando entre as pernas longas de Kei. Yan segurou o rosto do irmão com cuidado, mas força. Recolheu as lágrimas grossas com a ponta dos dedos e encarou os olhos tão parecidos com os seus.

— Fique aqui-

— Não!

— Kei, eu não quero que você se machuque.

— Eu já tô machucado! – levantou a voz. – Porque estão machucando o Liam! Porque tudo o que dói nele, dói três vezes mais em mim, Yan! Não me impede de ir com você!

— Vir comigo é jogar tudo o que a gente construí, fora, é mostrar você pra esse mundo, Kei! Você não está pronto, nunca vai estar pronto-

— Eu sou um dragão. – Kei segurou os pulsos de Yan, apertando-os com coragem e determinação. – Eu sou herdeiro de toda a merda, aniki. O que a gente construiu foi ilusão, fingimento... Eu nunca vou me livrar disso, nunca vou estar limpo o suficiente para sair ileso. Por favor, Yan. Por favor, pelo amor de Deus, eu não posso só ficar aqui parado enquanto o amor da minha vida pode estar... – Kei arfou.

Yan o abraçou, o deixou chorar em seu ombro. A mão afagou o cabelo ensopado de Kei, acariciando como quando ele ainda era pequeno o suficiente para esconder na própria sombra. Longe da merda de um Reddo. Se lembrou da primeira vez em que o viu, ainda enrolado na manta vermelha que um dia fora sua. O pouco cabelo espetado, pele corada e mãos pequenas. As menores que já havia visto.

Aos quinze anos, Yan Satoru silenciosamente jurou que aquelas mãos nunca se sujariam com sangue.

O celular vibrou dentro da mão livre. Ele observou a mensagem de Rose e respirou fundo.

— Rose o achou. – sussurrou.

Kei tremeu em seus braços.

— Como ia...

— Eu dei a ele, há um tempo, um celular para me contatar caso fosse preciso. O celular tem um rastreador por satélite. Leva um tempo, mas funciona.

— Ele tá vivo?

Yan mordeu o lábio inferior.

— Eu não sei, Kei. Mandei alguns de nossos subordinados prepararem tudo. Vamos até lá, mas o lugar pode estar cercado.

— Eu quero o meu presente de dezesseis anos.

Yan lamentou em silêncio. Mais uma vez, odiou o pai. Odiou sua família. Odiou a si.

— Você tem certeza disso?

— Absoluta.

Yan assentiu. Ele beijou a bochecha do irmão e se afastou para ficar de pé. Lá fora, outro raio iluminou a noite de Los Angeles. Trovões se tornaram a trilha sonora do que o Dragão Reddo chamaria de iniciação. Tardia, compulsória e dolorosa para os herdeiros de tudo. Monsuta deixou os dois celulares sobre a mesa e caminhou até o outro lado da mesa de madeira cara. Ele afastou a cadeira de couro e deixou os dedos longos tocarem a moldura lustrosa do grandioso quadro exposto ali: O Dragão Demônio e a Raposa Assassina. Supostamente pintada com o sangue de seu artista, o dragão dilacerava a garganta da raposa diante de um vulcão adormecido.

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