O Protagonista é um Bastardo!

Capítulo 1 - Esta estória é e não é sobre mim.

Você não é o personagem principal dessa peça; você é um dos muitos personagens. Cada um tem um papel a desempenhar. Ator nenhum pode mudar seu papel no palco, conforme suas preferências (Os Escritos Perdidos de Wu Hsin).
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Há muito tempo atrás, mas não há tanto tempo assim, um contador de estórias que viajava por todos os lugares, entretendo as pessoas com sua cítara e narrativas heroicas, assustadoras, românticas... enfim, todas aquelas que seu coração puder desejar ouvir.

O nome deste contador era Du Fushi [1] e ele não era tão velho assim, ele estava no auge de seus vinte anos, mas seu começo de vida não foi nada promissor... Ah sim, é claro. Du Fushi não é o protagonista desta estória, quero deixar bem claro. Du Fushi é apenas uma coadjuvante, uma pequena canoa carregada pelo rio, sem saber ao certo se conseguirá um dia chegar ao mar.

Não, o protagonista ainda não apareceu. Por enquanto vamos apresentar a estória do coadjuvante.
Certo dia, Du Fushi caminhava em direção a um condado remoto ao sul, na Província de Jing [2], quando foi pego desprevenido por uma forte tempestade. Sem condições de prosseguir, o contador de estórias se recolheu a segurança seca de uma caverna na encosta montanhosa.

Ensopado até os ossos, o rapaz improvisou uma pilha de folhas secas e fez uma fogueira para se aquecer. Enquanto o fogo crepitava, ele percebeu a presença de uma figura encolhida na entrada da caverna.
Du Fushi estremeceu de medo mas não recuou. A figura vendo que havia sido descoberta, aproximou-se com cautela.

Tratava-se de um velho senhor, que também teve sua viagem interrompida pelo temporal.
"Ah..." Du Fushi o observou. Não parecia alguém perigoso.
"Como vai meu jovem?" O velho perguntou polidamente. Podia-se notar que era um homem instruído. "Você se importa de dividirmos este abrigo? Acredito que a tempestade lá fora durará por um longo tempo!"

"Oh! Não há problema algum! Aproxime-se do fogo também, senhor."
Du Fushi indicou a pequena fogueira que havia feito.
O velho sorriu levemente é com as mãos em prece agradeceu, abençoando-o.
"Pela sua bondade com os mais velhos, que você tenha uma velhice longeva e saudável!"

Du Fushi apenas meneou a cabeça, era sempre acumular um bom carma.
Os dois ficaram próximos ao fogo, secando-se lentamente em silêncio. Sentindo fome, o contador de estórias retirou de sua bolsa uma garrafa de bambu e colocando em uma pequena panela de ferro que carregava em suas viagens, despejou seu conteúdo e pos para aquecê-la junto ao fogo.
Desembrulgou ainda algumas panquecas de cebolinha e ofereceu ao velho.

"A sopa está fria, mas deve ficar pronta logo. Vamos comer as panquecas por enquanto." Ele compartilhou sua comida generosamente.
O velho estava surpreso, mas aceitou a simples refeição, agradecendo também com outra benção.
"Que nunca lhe falta fartura de alimentos, meu jovem Du."
"Isso é uma coisa boa." Du Fushi agradeceu, já que comer era algo que ele amava muito. Porém, ele não se lembrava de ter dito seu nome.

Depois de comer, o velho também o analisou por um longo tempo, notando um embrulho colocado cuidadosamente em um canto seguro da caverna.
"Você é músico?"
"Sou um contador de estórias." Du Fushi respondeu.
"Tão jovem! Você conhece tantas estórias assim?" O velho riu.

Du Fushi assentiu sem sinal de arrogância. "Pode não parecer mais conheço muitas. E às vezes crio algumas também."
"Muito bom." O velho concordou com a cabeça, ainda curioso.
Vendo que realmente teriam que ficar juntos por muito tempo. Du Fushi pegou o instrumento e desembrulhando-o, revelou uma bela pipa [3].

Apesar de velha, estava em excelente estado de conservação, o que demonstrava todo o carinho e preocupação que seu dono nutria por ela. Du Fushi dedilhou algumas notas, como que dando uma breve introdução e sorrindo, questionou ao velho:
"Gostaria de ouvir alguma estória em especial?"
O velho riu. "Quem sabe alguma sobre dois desconhecidos que se conhecem em uma caverna?"