6. Sobre monges e Misses Simpatia

1.2K 191 35
                                    

Faz exatamente três minutos e vinte e oito segundos que contei o resultado do teste para Rebecca. Ela está há três minutos e vinte e nove segundos sentada no sofá da minha sala, sem vocalizar um único som. 

— Você está imóvel há três minutos e trinta segundos  — murmuro para ela. — Trinta e um. 

Ouço a corrida desajeitada de Emily no andar de cima, não é preciso vê-la para deduzir que está descalça mais uma vez. Pedi a Jim que cuidasse dela para poder conversar a sós com minha estagiária e (aparentemente) mãe da criaturinha eufórica.

— Trinta e cinco. — Fito o relógio na parede que, ao contrário de Rebecca, continua seu trabalho incessante. — Eu sei que é absurdo, ainda não descarto completamente a possibilidade de estarmos caindo em um golpe, quero dizer... Viagem no tempo? Aliás, o mais absurdo de tudo é pensar que eu de fato me casaria e teria uma filha, você sabe que...

— Senhora Sarocha — Rebecca interrompe meu monólogo. Suspiro de alívio ao escutar sua voz depois de três minutos e quarenta segundos. 

Quanta ironia. Freen Sarocha feliz porque alguém quebrou seu glorioso silêncio. 

— Ah, você está viva — constato com deboche. 

— Eu preciso ficar sozinha — ela murmura. Apesar de estar bem no meio da minha sala, parece não estar aqui de verdade. Sua mente está viajando para algum lugar inacessível a mim. — Preciso processar tudo isso. 

Ela cruza os braços à frente do peito. Parece pequena, como se estivesse tentando desaparecer. Seus cabelos brilhantes emanam vida, em contraste com o olhar vazio. Me dou conta de que não sei qual é sua idade.

— Fique o tempo que precisar — digo, me sentando ao seu lado. Eu também sei ser legal às vezes. — E fique ciente que você não precisa assumir responsabilidades sobre a criança. Eu me comprometi a ficar com ela, ao menos enquanto não encontramos uma resposta mais plausível. Mas você não precisa.

— Senhora Sarocha, não existe outra resposta — a mulher contrapõe. — Pare de tentar se convencer do contrário. Você sabe que a menina fala a verdade. 

Um estouro seguido por uma gargalhada infantil atrai nossos olhos para o andar de cima. Cogito me levantar para ver o que aconteceu, mas a risada de Jim me faz perceber que ela tem o controle da situação.

Engulo em seco. Sei que minha estagiária está certa. Mas também sei que existe um grande emaranhado no meu estômago, do mesmo tipo que enxergo dentro dos olhos de Rebecca. 

Estamos apavoradas.

— São tantas perguntas — murmuro, ignorando o pedido da outra  para ficar sozinha. — A mochila dos Ursinhos Carinhosos, por exemplo. Ainda vai existir esse desenho daqui a dez anos? Como ela não estranhou nossas tecnologias, os celulares...? Tudo deveria ser bem aquém para ela. E ela parece conhecer bem a minha casa, mas tenho certeza de que em dez anos eu teria no mínimo feito muitas reformas. 

— Sobre os celulares, ela estranhou, sim. Me disse isso ontem, quando você foi falar com Kade. Quanto ao resto, deveríamos conversar com ela. 

— Você tem razão — respondo. Os últimos dois dias se tornaram meu maior recorde de vezes em que admiti estar errada.

Sem que eu precise me locomover até o andar de cima, Emily surge no topo da escada com seu vestido espalhafatoso e os pés descalços. Ela pula os degraus de dois em dois, seguida por Jim, que tenta proferir algumas palavras, mas seu fôlego é suficiente apenas para acompanhar a garotinha.

— Mamães! Eu não vou tomar banho?

— Está na hora mesmo — a governanta comenta quando chega ao fim da escadaria. — Vocês precisam lavar a menina. Faz quase vinte e quatro horas. 

Uma casa no CéuOnde histórias criam vida. Descubra agora