14. Sobre uma menina sábia e uma mulher imatura

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Sinto todos os olhares caírem sobre mim quando ponho os pés na Diversity. Não é o tipo de olhar de canto ao qual estou acostumada — eles me encaram porque estão curiosos. Sei que não vão perguntar, mas querem saber. Querem entender como sua chefe adotou uma criança do dia para a noite.

Finjo não notar a expectativa em suas expressões quando os cumprimento, enquanto eles fingem se concentrar no trabalho depois que eu passo por suas mesas. Não demoro a entrar no elevador e tomar o rumo para a minha sala, em busca de tranquilidade.

Santa inocência. Em vez de sossego, o que recebo na frente de minha sala é Mani Anela, chefe da equipe de marketing interno e secretária temporária nas horas vagas.

— Senhora Sarocha, parabéns pela adoção da menina — ela me cumprimenta. Evito um revirar de olhos, hoje este vai ser o único assunto a correr pela empresa. 

— Obrigada.

Me sento em minha cadeira costumeira e ligo o computador. Espero que a resposta curta seja o suficiente para que ela não insista na conversa, mas a julgar pelo modo cauteloso com o qual se aproxima, ainda não acabou.

— Alguns repórteres queriam fazer uma entrevista.

Apoio meus cotovelos na mesa. Às vezes sinto saudades de Tee como minha secretária, ela entendia o meu silêncio melhor do que ninguém. 

— Cancele todas elas — ordeno, de olhos fixos no monitor.

Abro minha aba de e-mails. Me disperso entre a quantidade de mensagens acumuladas na caixa de entrada, então preciso de alguns instantes para perceber que a secretária ainda não foi embora. 

— Mas são veículos importantes. As pessoas estão comentando.

— Não me importo, Mani — respondo, agora um pouco mais incisiva. — Você sabe que sou reservada. Não quero dar detalhes sobre minha vida pessoal.

— Eu sei, senhora Sarocha, mas você sabe como o público é curioso. O Chen do RH comentou que já viu a menina aqui na empresa, ela dizia que já era sua filha. 

— Exato, foi assim que a conheci. Era uma criancinha mentirosa e assustada. Ela precisava de um lar e eu a adotei. O que mais você precisa saber? — Não gosto de falar de Emily dessa maneira, no entanto sei que é pelo seu bem.

Às vezes é preciso mentir para proteger quem amamos. 

— Nada, senhora Sarocha — Mani responde. Pelo modo como seus dedos dos pés se encolhem nas sandálias, percebo que alcancei o efeito desejado.

— Então volte ao trabalho. Diga a mídia que, quando eu estiver pronta para expor Emily, o farei. Por enquanto não quero conversar com ninguém. Ela precisa se adaptar primeiro.

— Certo, senhora. — Seus olhos fitam as tiras bordô do sapato, mas os meus desviam desse detalhe para encará-la. 

— E quem fizer fofoca em relação à minha filha estará demitido. Não quero absolutamente ninguém falando mal dela, entendeu?

A mulher levanta a cabeça com certa lentidão. Assente em uma amplitude de movimento quase imperceptível. 

— Ótimo. Agora pode ir. 

Apesar da pilha de e-mails relativos ao trabalho, decido começar justamente por aquele que não diz respeito a isso. Uma das escolas mais renomadas do bairro aceitou meu pedido de visitação em cima da hora. 

Um pigarro abafa o clique do mouse para responder à mensagem. Levanto os olhos para descobrir que, inacreditavelmente, Mani ainda está aqui. 

— Tem mais uma coisa — ela anuncia quando me dou conta de sua presença. — A Rebecca da Pop solicitou folga à tarde para ir ao médico, mas vi aqui no sistema que ela já tinha tirado semana passada e...

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