26. Sobre chuva, sol e arco íris

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Minhas roupas não parecem me vestir de verdade. Me olho no espelho e sinto que deveria me sentir bonita, embora os olhos vazios me tirem a graça. Meu vestido cinza e esses saltos de verniz parecem apenas uma embalagem de um produto sem vida. 

Não é o look mais apropriado para um passeio no parque.

Mas é o reflexo de como minha alma se parece hoje. Emily, ao contrário, está radiante. Se Tee a visse nesse momento, com certeza a chamaria de Pintinho Amarelinho, porque todos os itens de vestimenta da pestinha, desde o laço no cabelo até o band-aid no calo do mindinho, são do mais brilhante amarelo. Tenho certeza de que os pedestres vão confundi-la com um grande marca-texto ambulante, ou com algum fiscal de obras anão. 

Seria um contraste engraçado se não fosse trágico. Acho que ela levou a sério o fato de que a cor favorita de Rebecca é amarelo e decidiu homenageá-la com um pouco de exagero. Eu gosto de ver minha filhinha assim, afinal alguém nessa casa precisa transbordar vida. 

— Você vai afundar na grama com esse sapato, mamãe — a pequena observa. Preciso semicerrar os olhos para protegê-los de uma possível cegueira diante de tanto neón. 

— Eu sou habilidosa com saltos, não se preocupe. — Dou um tapinha em sua cabeça cheia de laços para consolá-la. 

— Parece que você vai no enterro do peixe da vizinha — ela continua suas observações com uma caretinha extremamente insatisfeita. — Acho que a gente precisa comprar roupas novas para você, mamãe. 

— Eu gosto dos meus looks básicos, meu amor. Nem todo mundo fica bonito com esse tanto de amarelo como você. 

— Mas você ia ficar linda! — a rainha dos argumentos insiste. — Você só tem roupa sem graça. Quer um laço de cabelo?

— Eu nem sabia que a vizinha tinha peixe. — Mudo de assunto com um revirar de olhos. — Acho que devo ir prestar minhas condolências. 

— Para de ser chata, mamãe! — Emily resmunga de braços cruzados. — Eu acho que você devia usar meu laço cor de rosa. E o senhor Gubles já tava velho demais para um peixe. 

— Como você sabe o nome do peixe da vizinha? — pergunto honestamente. Eu mesma não sei nem o nome da própria vizinha, e moro na mesma rua há anos. Para falar a verdade, nem sei de qual vizinha ela está falando. 

— Ela me contou um dia. — Minha pequena parece entediada com o assunto. — Você tá fugindo. Vou buscar o laço. 

Bufo com descrença quando ela sai em disparada para o seu quarto. Meus esforços de manipulação deram errado com esse serzinho mais uma vez. 

Segundos depois, o mini farolete volta com os braços cheios dos mais variados laços, um mais inapropriado do que o outro. Observo enquanto ela posiciona os modelos pelo sofá, na esperança de que pelo menos um deles seja um pouco mais adulto e menos feliz, mas meus olhos só enxergam cores, unicórnios, estrelas e muitas lantejoulas. 

— Escolhe um! — ela exclama com uma empolgação invejável. — Eu acho que o rosa é o mais bonito, mas tem esse outro verde, e o vermelho, e o roxo...

— Acho que vou ficar ridícula com esses laços, princesa — tento convencê-la com um pouco de desespero. — Só brilham em você. 

— Por favoooor, mamãe! Coloca só unzinho. 

Ela se ajoelha na minha frente e abraça minhas pernas como se pedisse o maior favor do mundo. Abro um sorriso diante de tanto drama, talvez não seja tão ruim assim colocar um laçarote na cabeça. Isso pode desviar o olhar dos outros para meu rosto de insônia crônica. 

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