2. Sobre bolinhos de mel

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Arranho minhas unhas contra a mesa de reuniões para abafar o tic-tac irritante do relógio, o qual insiste em me mostrar que 22h15 não é um bom horário para uma reunião de emergência. Espero que cada um desses pares de olhos arregalados direcionados a mim perceba minha irritação contra a tábua de madeira, já que não posso arranhá-los sem sujar minha imagem.

Pela primeira vez, o silêncio na sala me enlouquece. Hmpf, não calam a matraca por um segundo quando quero que fiquem quietos.

— Certo, vou perguntar de novo. Quem é o responsável por essa brincadeira de mau gosto?

Aponto para a garotinha sentada ao meu lado. Ela aparenta ter cinco ou seis anos, seus cabelos estão presos em dois coques e balançam devido ao movimento inquieto de pernas. O vestido rosa com estampa floral se espalha pela cadeira grande demais para ela, de forma que pareça um cupcake. Ela agarra uma mochila dos Ursinhos Carinhosos como se fosse a coisa mais preciosa do mundo.

Seria uma cena adorável se ela não estivesse me obrigando a realizar uma reunião de emergência.

— Não é brincadeira, mamãe.

Esqueça. Não tem nada de adorável. Já perdi as contas de quantas vezes ela me chamou disso nos últimos minutos.

— Não me chame assim, criança. — Me viro de volta aos meus funcionários. — Não vou repetir outra vez, quem armou isso? 

Nada além do eco de minha própria voz retorna às minhas tubas auditivas.

— Por que não me respondem?! — torno a dizer. Ou melhor, gritar. Dou um soco na mesa, pelo qual me arrependo no mesmo instante. A garotinha ao meu lado arregala os olhos, vejo de solsaio que Rebecca apoia uma mão em seu ombro para confortá-la.

— N-não sei do que está falando, senhora. — Alguém gagueja. É o Chai do RH. Ou Chin. Talvez Chen.

— Certo — recito devagar, para todos notarem que nada está certo. — Quem são os responsáveis por essa garota?

Abro um sorriso calmo. Não é um sorriso calmo de verdade. Eu sei o efeito que ele tem sobre as pessoas. É um aviso de que toda minha paciência está por um fio, e quem cortá-lo estará demitido.

O silêncio na sala toma quase uma forma humana. Sinto que todos prendem o ar, até mesmo a pequena criança.

— Eu não quero ser obrigada a chamar a polícia. Os sites de fofoca iriam nos detonar. Não é bom para nenhuma empresa a notícia de que esqueceram uma criança dentro dela. Se eu descobrir quem está pregando essa peça... — Deixo a frase no ar. Todos sabem o que ela significa.

— Mamãe...

Respiro fundo e conto até cinco. Estou tentando não ser rude com a pequena, mas não sei como se deve tratar uma criança. Especialmente uma criança que não para de me chamar de mãe.

— Escute, menina, vamos parar com isso agora mesmo. Sua mãe verdadeira não vai gostar de vê-la chamando outra pessoa de mamãe. — Me aproximo dela e agacho para ficar a altura de seus olhos. — É melhor você contar para a tia quem te mandou fazer isso. — Faço uma pausa pensativa. — Já sei, te ofereceram doces? Eu dou o dobro. Hum, com dobro eu quero dizer... 

— Mas mamãe, você não me deixa comer doce! — a menina exclama em indignação. — Você e a mamãe Becky dizem que fazem bichinhos nos dentes e dói pra tirar.

Levo minhas mãos às têmporas. Desejo ter um terço da calma dos meus ídolos monges budistas, mas minha paciência não tem os níveis mais invejáveis.

— Eu nunca vi você na minha vida, como poderia...

— Senhora Sarocha, é melhor você ver isso — Rebecca me interrompe. Estende um papel em minha direção, gesto que me obriga a desviar os olhos da criança.

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