15. Sobre balões, um engomadinho e amor

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Por que sempre é mais fácil enxergar os problemas nos outros antes de enxergá-los em nós mesmos?

Para a maioria dos dilemas, a resposta é simples: olhar para a pele do outro não nos dói tanto como olhar para dentro de nós; não queremos ver que às vezes cometemos os mesmos erros das pessoas que mais julgamos. Admitir nossas fragilidades significa que, se não mudamos, estamos escolhendo errar.

O que me faz ter esses pensamentos filosóficos, porém, não é uma grande questão existencial — é nada menos que uma unha cheia de cutículas comidas. 

Demorei pouquíssimo tempo para entender que roê-las é um hábito que Emily adota quando está nervosa, mas só hoje, depois de sabe-se lá quantos anos, consigo me dar conta de que as minhas próprias estão em carne viva. 

Devíamos ter um contrato para permitir que nossos filhos herdem somente nossas características boas.

— Seu dedo tá sangrando, mamãe — Emily aponta para o meu indicador. — Por que você me manda parar, se faz igualzinho?

Ela me observa de seu lugar na privada, quase um trono para a pequena majestade. 

— Eu nunca percebi que fazia tantas vezes assim — respondo. Deixo a água da pia lavar as gotinhas de sangue que se formam em volta da unha. Apesar do ferimento minúsculo, arde para valer. 

— Tá nervosa com a janta de hoje?

Fecho a torneira. Emily me entrega um band-aid, que eu posiciono no dedo ferido. Ontem, depois que voltamos para casa, Rebecca me enviou uma mensagem dizendo que seus amigos aceitaram minha oferta. Isso significa que desde aquele instante minha cabeça só consegue se ocupar com isso.

Minha noite foi uma catástrofe, assim como todo o meu dia de trabalho. Não sei exatamente por que me sinto tão nervosa para conhecê-los, mas tremo só em saber que podem tocar a campainha a qualquer instante.

— Com certeza — respondo. — Kade e Tee também virão, então você vai poder matar a saudade de todo mundo. 

Saber que minhas amigas estarão comigo deveria me tranquilizar, mas isso não acontece. A inquebrável Sarocha não é tão inquebrável assim.

— Tipo uma festa! — minha filha bate palminhas. Salta da privada para me acompanhar em direção à sala.

— É, tipo uma festa.  

Uma mensagem brilha na minha tela de início. Rebecca anuncia que chegará com os amigos em quinze minutos. Quinze minutos para que eu tenha um infarto. 

— Bem que podia ter balão — Emily comenta com seus olhos pidões. É uma perfeita atriz, sei bem quais as suas intenções com a pergunta e trato de obedecê-la abrindo meu chat com a estagiária.

"Você pode passar no mercado e comprar balões? Emily pediu."

"Indo agora mesmo",  ela me responde no mesmo instante.

Duas marmanjas à mercê de uma garotinha de um metro. 

Além de deixar minha filhinha feliz, essa mudança de rota me dá alguns minutos de vantagem. Com isso, posso conferir pela milionésima vez se os talheres estão alinhados, se os tapetes estão desamassados, se os copos estão limpos. Posso ir até a cozinha verificar se o prato que fiz (sim, eu cozinhei sozinha!) ainda está no mesmo lugar e não criou pernas, ou não estragou espontaneamente. Posso garantir que meus dentes estão limpos, sem mancha de batom, e que não estou com mau hálito. 

— Para de conferir tudo, Freen — Jim ralha comigo quando me flagra voltando à cozinha pela sexta vez em cinco minutos. — Está tudo pronto. Você foi ótima. 

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