7. Sobre Ursinhos Carinhosos, traumas e uma engenheira

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Existem poucos lugares que me tranquilizam mais do que minha cadeira de escritório. Seu estofamento de couro encaixa perfeitamente em cada curvatura da minha coluna, os pés tocam o solo com precisão e meus olhos ficam na altura perfeita para encarar o monitor entupido com as milhares de metas que me ocupo em bater para escapar do mundo real.

Estar na Diversity novamente me faz sentir que algo voltou aos eixos, mesmo que seja uma sensação completamente ilusória. O ritmo dos gráficos mascara o fato de que uma garotinha de vestido rosa está em casa com minha governanta, mas não é tão bem sucedido em me absorver da realidade — meus dedos são mais rápidos e desbloqueiam a tela do celular infinitas vezes em busca de mensagens. Não sei dizer se espero mensagens de Jim ou de Rebecca. Talvez das duas.

Preciso saber se a pequena pilantra está se comportando, e se minha estagiária está conseguindo lidar com o burburinho dentro da empresa. Ou talvez eu apenas queira conversar sobre o diálogo que tivemos com Emily mais cedo.

Foi estranho. É claro que era de se esperar, considerando as circunstâncias. Abro o bloco de notas do computador para deixar alguns esclarecimentos, talvez eles sejam úteis mais tarde. Vou compartilhá-los com vocês, caso tenham interesse. 

1. Os Ursinhos Carinhosos ganharam uma nova exibição na TV quando Emily fez dois anos, ou seja, a uma distância futura de sete anos com nosso presente. Tornaram a virar febre entre as crianças futuristas.

2. Os celulares são transparentes no futuro, e não precisam mais de carregador na tomada.

3. Minha casa foi reformada 5 vezes desde que Emily nasceu, mas ela conhece a maioria dos cômodos.

4. Eu não sei o que aconteceu comigo e com Rebecca no outro mundo. Ela não quis falar sobre isso.

5. No futuro ainda existe papel. Impressionante. 

Fecho o bloco de notas e torno a me concentrar no trabalho, ou tento. Meus dedos continuam a dedilhar sem muito controle pelo chat com minha estagiária, mas apago todas as mensagens antes de enviá-las. Quero dizer a ela que talvez nós sejamos capazes de fazer isso, e que também estou com medo. Quero dizer que ainda penso que nada disso é real, porque talvez não seja mesmo, mas que devemos iniciar uma lista de afazeres como precaução. Quero dizer que os fones realmente funcionaram, então não terá problema se ela quiser dormir conosco de novo...

Pela Emily, claro. É que talvez seja mais fácil se agirmos como um time. Se eu tratar disso como uma espécie de trabalho, vai funcionar melhor. 

O celular vibra em minha mão. Por uma fração de segundo penso que é ela quem me liga, mas logo o nome de Kade preenche o visor. 

— Alô? — atendo no segundo toque. 

— Finalmente, Freen. Você não respondeu mais as minhas mensagens. 

Coço minha testa, alternando a visão entre a tela e o monitor do computador.

— Desculpa, amiga. Ontem foi um dia atípico.

Escuto um som chiado do outro lado. Ela parece suspirar.

— Imagino que sim. Aliás, é sobre isso que eu queria falar...

— Você já está sabendo? — interrompo minha amiga. — Mas como? Eu pedi a todos que...

— Para quem curte silêncio, você fala demais — Kade retruca, me interrompendo de volta. — Ninguém me contou, Sarocha, mas preciso que você me escute. 

Inclino meu tronco na mesa. A imagem dos gráficos se embaralha à minha frente, fecho a aba sem me importar se os itens foram salvos ou não.

— Lembra do projeto que eu precisava entregar ontem? — ela não espera que eu responda e prossegue: — Tinha a ver com um aplicativo para uma empresa de inovações tecnológicas, mas descobri que vai muito além disso. Eles estão projetando uma máquina do tempo.

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