— Mamãe?
Acordo com batidinhas em meu rosto. Não sei em que momento da madrugada consegui pegar no sono, minha cabeça pesa como alguém que esqueceu de tomar água há dias.
— Deixa a mamãe dormir mais um pouco — sussurro para a criaturinha arregalada que insiste em me cutucar. Tento fechar os olhos, mas agora que a nuvem de sonolência dissipa e clareia meus pensamentos, é impossível dormir.
— Mas já são dez e meia! A gente tá atrasada!
Coço minhas pálpebras. Analisando melhor, percebo que minha criança está vestida com uma tentativa de uniforme. Os botões estão fechados aleatoriamente, a saia parece ter sido pisoteada por um búfalo e um rabo de cavalo torto adorna sua cabecinha preocupada.
— Hoje não vamos fazer nada — murmuro para o tornado humano.
O único momento pior do que o dia de uma Grande Notícia, é o dia seguinte a ela. Quando você acorda feliz por um milésimo de segundo, antes de se lembrar que seu mundo virou de ponta cabeça no dia anterior e você desejaria ficar em sono profundo pelo resto da eternidade.
— Mas mamãe, se eu não aprender a ler, não vou ser a herdeira — a pequena responde em indignação. — E eu quero ser rica que nem você.
— Não é um dia sem estudos que vai deixar você burra, princesa — Abro um sorriso cansado. Essa pilantra tem o poder de me fazer rir até no fundo do poço. — Amanhã você recupera.
— Amanhã é sábado, mamãe. —Ela bate na própria testa como se tivesse ouvido a maior estupidez humana.
— Parabéns, ganhou um fim de semana prolongado — tento convencê-la. Não é possível que até minha filha de cinco anos esteja se tornando workaholic. — Por falar nisso, tenho boas notícias.
A pequena me olha com curiosidade. Sua respiração faz cócegas em meu nariz.
— Rebecca nos convidou para passear no parque amanhã — quebro o suspense antes que os olhinhos saiam de órbita.
Um jato de euforia faz Emily pular por cima de mim. Ela me enche de beijos frenéticos e gritinhos empolgados. Ignoro o fato de que ainda não respondi as milhares de mensagens de Rebecca e não sei como vou encará-la amanhã sem me despedaçar.
— Eu tô morrendo de saudade da mamãe Becky!
— Eu também — murmuro. É terrível a sensação de sentir saudades e medo de encontrar alguém na mesma proporção.
— Mas você viu ela ontem! — A pirralhinha me encara com um sorriso cinicamente familiar.
— E daí? Sou proibida de sentir saudades? — Exagero na expressão indignada, somente para esconder como me sinto por dentro. Um adulto facilmente perceberia que estou me esforçando ao máximo para não me desintegrar na frente dela, mas a inocência do meu serzinho a impede de perceber certas coisas. Ou ela é tão boa em fingir quanto eu.
— Não, mamãe! Você é boiola — Emily rebate com uma gargalhada. — O que a gente vai fazer hoje?
— Gostou dessa palavra, né? — resmungo de mentirinha. — Vamos fazer o que você quiser. Dei folga a Jim, vamos ter o dia todo para nós duas.
Percebo que sua respiração altera de maneira leve. Ela me lança um olhar de lado, como se estivesse me analisando minuciosamente.
— A gente pode ver filme?
— Você odeia todos os filmes — desabafo com um muxoxo. Nunca vi uma criança no mundo odiar animações, mas aparentemente as crianças do futuro não assistem mais nada em 2D.
— Eu gosto daquele que os brinquedos falam — minha pequena responde. Continua com seus olhinhos misteriosos. Minha nuca se arrepia com sua expressão investigativa.
— Então é o que vamos ver mais tarde — decido antes que ela mude de ideia sobre o filme. — Coloque seus pijamas de volta, vamos dormir mais um pouquinho.
— Por que a gente vai ficar em casa hoje, mamãe? Você tá doente?
Ela coloca uma mãozinha em minha testa. Parece alarmada, o que me deixa ainda mais triste.
— Não estou, filha. Só queria passar um tempo com você.
Ficar com Emily é como fugir da realidade. Com ela, o tempo passa mais rápido e minha mente voa para lugares que nenhum adulto consegue alcançar sozinho. Se vou morrer tão nova, quero aproveitar ao máximo a minha remelentinha, antes que vire uma adolescente rebelde.
Deixo-a se aninhar em meus braços para mais uma soneca, ou tentativa de uma. Permito-me relaxar com sua respiração infantil, mas o torpor logo passa e dá lugar ao medo de abandoná-la pela segunda vez.
A respiração tranquila se transforma no familiar trator. Por que a vida me trouxe um presente tão lindo, se vai me arrancar desse momento tão rápido?
Eu nunca quis morrer, sempre tive o sonho de ser longeva. Mas também nunca tive medo da morte, porque não havia ninguém com quem me preocupar. Agora tem um pequeno indivíduo que precisa de mim, e saber que vou deixá-la para trás é pior do que qualquer outra dor.
Emily solta um ronco endiabrado. Abro um pequeno sorriso, é quase como se o inconsciente dela soubesse que precisa me fazer rir de alguma forma.
— Cara de anjinho, garganta do capeta — sussurro com um beijo em sua testa. — Eu te amo, filha.
Levo a mão à boca no mesmo instante que a frase se forma no ar. Saiu tão fácil, tão despretensiosamente... como se sempre estivesse esperando o momento de ser dita.
Minha pequena roncadeira coça os olhinhos. Ela pisca algumas vezes para mim, ainda perdida em algum lugar entre os sonhos e o mundo real.
— Mamãe? Eu tive um sonho engraçado.
Rio de sua fala embolada. O uniforme está ainda mais amassado, alguém não me ouviu quando pedi para colocar os pijamas novamente.
— Aposto que foi com tratores.
— Dããã! Essa piada não tem mais graça — ela resmunga com uma risadinha e recosta a cabeça nos meus braços. —A gente tava deitada assim, e você falava que me amava.
Meus olhos se enchem, mas eu não dou a mínima. Faz parte da nova versão Sarocha Sentimental. Por que guardar minhas emoções, se posso me arrepender depois por não ter dito tudo o que eu queria?
Não tenho o luxo da desculpa do "tarde demais", porque conheço o meu prazo.
— Não foi um sonho, princesa. Eu falei que te amava, e falo de novo para você ouvir acordada. Eu te amo.
A sonolência dá lugar à gritaria tão rápido que me pergunto como funciona a bateria de minha filha. Rio de sua risada sincera e sinto cócegas quando ela cobre meu rosto de beijos e abraços.
— Eu te amo, te amo, te amo, mamãe!
— Só não pense que isso te dá passe livre para ficar sem escovar os dentes — finjo um tom mandão que sei que não tenho com ela. — Estou sentindo seu bafinho de longe.
Gargalhadinhas infantis me impedem de sucumbir com minhas próprias lágrimas.
— Você também tá com bafo, mamãe.
— Eu não tenho isso — respondo com uma careta enojada. — Meus dentes são blindados.
— É verdade! — ela concorda com o sorriso mais doce do mundo. — Você e a mamãe Becky são as mais cheirosas, lindas e inteligentes do mundo todo. Quando eu crescer, quero ser igual a vocês duas.
Fecho os olhos com tanta força que sinto algum vaso pequeno se romper. Eu não vou estar aqui para ver isso.
— Você vai ser muito melhor, meu amor — sussurro, escondendo meu rosto.
Eu, Freen Sarocha Chankimha, jamais admitiria a superioridade de qualquer outro ser na Terra em relação a mim.
Mas Emily (e Rebecca... Shh, essa parte é segredo) é capaz de fazer com que eu deseje para ela muito mais do que um dia eu sonharei em ter.
Acho que isso é o significado de amar incondicionalmente.
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Uma casa no Céu
FanfictionFreen Sarocha tem orgulho de ser TOP 1 em todos os rankings empresariais da Tailândia. Dona de um império publicitário, aprendeu a se fechar no mundo dos negócios para esquecer sua vida pessoal - afinal, acredita que família e casamento são distraçõ...