23. Sobre papel higiênico molhado

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Não preciso colocar os pés em casa para ouvir a gritaria de minha filha com Jim. As gargalhadas estão tão altas que são audíveis mesmo de dentro do carro. Céus, logo a vizinhança vai me infernizar com ligações e ameaças quanto à perturbação do sossego.

Eu não me importo nem um pouco.

Sorrio ao imaginar o que me espera dentro de casa. Pedi à governanta que buscasse minha filha para que eu pudesse trabalhar até mais tarde. Apesar de ter novas prioridades na minha vida, não posso abandonar de vez o meu primeiro amor. 

Giro a maçaneta para me deparar com uma torre de papel higiênico molhado. Emily está à frente, a franja suja de bolinhas brancas pegajosas demais para serem tocadas. Um olhar basta para conferir que o teto se encontra recheado do mesmo experimento, chegando a formar pequenas poças d'água que caem em gotas no piso.

— Desde quando meu teto tem estalactites? — chamo a atenção das duas artistas baratas.

A mulher me olha feito uma criminosa presa em flagrante. Seu sorriso esmorece na hora e os olhos arregalam,  como se fosse absurdo  demais imaginar que a dona da casa chegaria a qualquer momento. 

Minha pestinha abre a boca, mas não consegue dizer nada antes de lançar um olhar suplicante para a governanta, que ignora seu pedido de socorro. O uniforme escolar está coberto de água misturada com essa maçaroca que ambas produziram. 

— Estala...o quê? — a pequena pergunta. Uma bela amostrinha do cinismo humano em versão de bolso. 

— Estalactites. São as rochas que se formam no teto das cavernas. Se parecem com essa obra de arte na minha sala. 

Lanço um olhar a Jim, que encolhe os ombros em rendição.

— Oi, Freen. Pensei que chegaria mais tarde. Prometo que vou limpar tudo agora mesmo.

— Não briga com ela, mamãe. Foi ideia minha. — Emily se enrosca nas pernas da mulher, escondendo a cabeça. 

É inevitável gargalhar do desespero das duas. Minha pilantra tem alguma espécie de passe livre no meu cérebro que me impede de ficar com raiva. 

— Ainda bem que foi ideia sua — eu emendo de olhos semicerrados. — Seria estranho se uma mulher adulta sugerisse jogar papel higiênico molhado no teto. 

A mais velha coça a nuca. Seu sorriso amarelo me faz duvidar de quem realmente teve a ideia, mas não vou investigar. Me limito a pegar um pedaço da gororoba no chão e lançar mais uma bola no teto. 

— Mamãe!! — a pestinha exclama. Meu lançamento se desprende e cai na cabeça da criança. — Tem que molhar mais!

Ela faz um bico indignado enquanto tenta retirar a mistura de seus cabelos. Depois de um dia estressante, nada melhor do que essa cena para me acalmar. 

— Ops... — sussurro com o mesmo cinismo da minha criatura. 

Recebo apenas uma bufadinha em resposta, ela sabe que não tem moral para me afrontar. Minha governanta nos encara como se decidisse se é seguro rir ou não, então opta por morder a bochecha.

— Você pode dormir aqui hoje? — pergunto a ela. Não quero lidar sozinha com a ausência de Rebecca, não agora. 

Sem a minha ex-estagiária, é como se um pouco da vida tivesse ido embora. Isso me assusta e me faz sentir como a garotinha abandonada do passado, embora eu saiba que não é justo fazer esse tipo de comparação com ela. Os meus problemas são unicamente meus, mas dói do mesmo jeito. 

É como se alguém tivesse colocado um pontinho colorido no meu mundo monocromático, somente para apagar depois. 

— Claro, Freen. — A expressão da mulher muda no mesmo instante. — Aconteceu algo com Becky?

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