9. Sobre intestino preso e perfume de laranja

1.2K 186 52
                                    

Acordo com dificuldades para respirar. Por um instante, penso que estou morrendo. Alguém me alertou sobre os perigos do Burnout quando me tornei CEO, mas ignorei todos os conselhos durante minha curta carreira. Talvez eu esteja pagando o preço agora.

Triste fim para uma jovem promissora, morrer sufocada na própria cama.

 Todos esses pensamentos duram menos que alguns segundos. Não estou morrendo, descubro assim que abro os olhos. O que esmaga as minhas costelas e retira quase todo meu suprimento de oxigênio é uma (nem tão grande, mas muito dolorosa) perna. 

Um pezinho encardido me encara com o dedo mínimo quase enfiado no meu nariz. Por Deus, de que adianta tomar banho se ela não usa sapatos em casa?

Empurro a perna de Emily para longe. Ela está atravessada na cama, a cabeça repousa onde deveriam estar os membros inferiores e os braços estão jogados em direções aleatórias. Não me pergunte como ela adotou essa postura acrobática enquanto dormia, mas acho prudente instalar uma câmera para ver se a pestinha, além de roncar, não é sonâmbula. 

Ela rola para o lado em seu sono de pedra. Esfrego o abdômen e as costelas, aparentemente crianças pesam toneladas quando estão dormindo. Me espreguiço do jeito que consigo e escapo da cama o mais rápido possível, preciso providenciar um quarto para ela em outro cômodo com urgência. E pantufas.

Calço meus próprios chinelos e desço as escadas. Na cozinha ainda estão as panelas e os pratos da macarronada da noite anterior. Depois de comer, Rebecca e eu discutimos qual seria a melhor forma de anunciar a suposta adoção de Emily e combinamos que minha estagiária deveria ficar fora disso, pelo menos por enquanto. Talvez um dia ela possa se apresentar publicamente como a outra mãe, quando máquinas do tempo já não forem mais novidade.

Um pequeno sorriso surge em meus lábios quando me lembro desse jantar. Bato nas bochechas para espantá-lo depressa. 

Jim está de folga, então preparo meu café preto sem muito estresse, já que a cozinha agora é um desafio quase completamente superado. Ainda vou precisar de mais tempo para me arriscar a preparar algo sozinha no fogão, mas a noite de ontem me provou que eu sou capaz de vencer isso.

— Eu acho que você peidou no quarto, mamãe — uma vozinha estridente quase me faz derramar o café na roupa.

Me viro de frente para a escada. Um vultinho amarelo de tranças desfeitas e rosto inchado me encara com os olhos vermelhos.

— Crianças educadas começam dizendo bom dia — eu respondo à pestinha. Deixo o café no balcão da pia antes que ocorra um acidente.

 Ela desce as escadas de dois em dois degraus. 

— Bom dia, mamãe Freen! — a pequena se corrige em seu clássico abraço de pernas. Me agacho para abraçá-la corretamente e ganho um beijo estalado com bafinho matinal. 

— Hm, agora sim. Bom dia, Emily — respondo a ela. — Eu não soltei nenhum gás. Você deve ter feito dormindo.

— Não foi mamãe, era o seu cheiro — ela responde. Se desvencilha de mim para sentar à mesa. — O meu cheiro é diferente do seu. O seu é muito fedido. 

Reviro os olhos. Esse é um dos males de se ter um intestino preso. Por que diabos crianças gostam tanto de falar em coisas nojentas?

— OK, talvez tenha sido eu — admito de braços cruzados. — Mas não conte para ninguém.

Ela dá uma risadinha sapeca. Me olha atravessado, escondendo o rosto.

— Mas todo mundo já sabe, mamãe! Teve uma vez que a mãe Becky disse que você soltou um bem grandão no meio do trabalho.

Uma casa no CéuOnde histórias criam vida. Descubra agora