Capítulo 1 - Lagarto-Come-Lixo

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Eu não diria que eu era um garoto normal. Nem tampouco anormal. A minha única diferença era a facilidade em arrumar confusão. E quando digo isso, era confusão mesmo! Como naquela vez em que eu precisei fugir dos dois garotos mais briguentos da sala: Carlão e Pedro. Tudo isso porque eu havia impedido que eles filassem na prova de matemática. Veja só? Eu virei a noite me matando de estudar e eles querendo que eu desse todas as minhas respostas!

A escola já estava ficando bem longe, enquanto eu corria o máximo possível. Os garotos pareciam dois gigantes desengonçados, com seus tênis de marca e boné da moda. Eu nunca usei esses negócios por acha-los bregas demais, mas parece que as garotas não concordam tanto com isso. Dobrei a esquina mais uma vez, torcendo para que eles não conseguissem me seguir. Me enganei novamente; precisei recuperar o fôlego para voltar a correr. Vantagem de ser magrelo: corro muito. As pessoas na minha frente faziam caretas quando eu passava, mas eu pedia licença. Elas não tinham do que reclamar. Vi um beco e resolvi me esconder nele, que ficava ao lado de uma lanchonete local. Os garotos eram grandes, talvez nem conseguissem entrar ali.

Azar: o beco era maior do que pensei. Fui correndo até uma grande lata de lixo e (eca) pulei dentro dela. Era um daqueles latões enormes, no qual o gerente da lanchonete deveria levar uma semana para encher com comida estragada. Eu fechei a tampa sobre mim e escutei os dois meninos pararem em frente ao beco. Eles falaram alguma coisa estranha, identifiquei uns quatro palavrões, e aparentemente a porta da lanchonete se abriu. Uma voz mais grossa reclamou com os garotos e consegui escutar só o fim da conversa, pois foi quando o chefe da cozinha abriu a lata para jogar mais um saco de lixo.

- ... e esses moleques acham que eu vou dar hambúrguer queimado. Onde já se viu? Aposto que estão matando aula... - A porta se fechou.

Posso confirmar que eu não estava nem um pouco confortável aqui dentro, mas suspirei aliviado. Ia ser pior apanhar daqueles dois brutamontes. Contei até 60, para ter certeza de que eles não estariam por perto, para finalmente tentar sair do lixeiro. Por estar tudo melado e escorregadio, foi ruim subir e abrir a tampa novamente. Consegui, sentindo um pouco de ar e quase agradecendo por ser capaz de respirar algo não tão fedorento. Antes de sair, entretanto, senti algo se mexendo embaixo de mim. Deveriam ter ratos aqui dentro! Eu cair fora o mais rápido possível, mas minha perna escorregou em alguma coisa lisa. Parecia a pele de um réptil. Apoiei minhas mãos nas laterais da lata de lixo e escutei o barulho de rato saindo do meio do lixo. Para depois vir a explosão!

Calma, não foi nenhuma bomba ou explosivo que me jogou para fora do lixo. Foi algo muito pior. Uma explosão de sacolas de ketchup e queijo, pois tudo foi aos ares quando um lagarto gigante, com o rosto em forma de rato, saiu de dentro da lixeira. Ele era enorme, deveria ter pelo menos um metro e meio de comprimento, e eu me perguntei como coube naquela lata. Pior ainda: como eu fiquei em cima dele sem reparar nisso!? Eu cai no chão ao mesmo tempo em que o lagarto saiu da lixeira e foi para o fim do beco (sem saída). Ele ficou olhando para mim, como se perguntando se eu era de comer ou de correr. "Espero que seja a segunda opção, espero que seja..." Tarde demais.

Virei-me o mais rápido possível quando vi o bicho estranho correndo até mim. Ele conseguiu morder, com seus dentes de roedores, a minha calça e me puxou para o beco. Eu cai no chão com o movimento, sendo arrastado para o fundo do beco; bati contra a parede umas duas vezes e fiquei encurralado com a criatura mais bizarra que eu já vi na vida. Ela ficou batendo os dentes de ratazana com cárie, querendo me intimidar desnecessariamente - eu já estava me tremendo todo. A criatura se aproximou de mim aos poucos. Pelo visto, serei comida de lagarto gigante.

Por um momento, pensei que estava ficando louco, mas realmente aconteceu aquilo: uma garota surgiu no beco, com um arco-e-flecha, e atirou contra a criatura. De fato, a flecha não foi certeira, mas próxima o suficiente para fazer o monstro pular de susto e correr para o lado direito da pequena rua sem saída. A menina perguntou se eu estava bem e, definitivamente, eu não sabia o que responder. Ela mirou na criatura de novo e gritou por duas pessoas. O primeiro a aparecer era um rapaz alto e musculoso que segurava um tacape na mão. O terceiro, ainda mais estranho, possuía o cabelo totalmente branco e a cor da pele igualmente pálida. Algumas pessoas viam a movimentação estranha e começavam a apontar para o lagarto gigante, até o menino de cabelo branco sorrir educadamente para elas e falar alguma coisa. As pessoas simplesmente iam embora, sem mais nem menos. O que ele falava? Que aquilo era um set improvisado de gravação? Não importa, só sei que o monstro ainda estava lá e voava novamente na minha direção.

Eu embolei para o lado e consegui me safar. A menina puxou uma flecha e atingiu a barriga da criatura, que não se deixou intimidar; com um urro de dor ela avançou na garota. O rapaz musculoso, contudo, atingiu o rosto do monstro como um jogador de beisebol acertava uma bola branca. A criatura rolou para trás (ficando mais próxima de mim) e conseguiu se levantar de novo.

- Ei, você vai ficar aí mesmo? - A garota perguntou, pedindo para que eu me aproximasse do estranho trio. Bem, era melhor do que ficar íntimo de um lagarto godzilla.

A moça atirou mais algumas vezes no animal, contudo o monstro era bastante ágil, principalmente quando grudava na parede e resolvia se mexer como um lagarto doido. Ele movia-se de um lado ao outro e saltou para o meio da confusão, ficando entre mim e as três pessoas. Com sua calda, derrubou a garota e o rapaz do tacape, virando-se na minha direção. De alguma forma, ele gostava mais de mim do que deles. Deve ser por eu estar fedendo a repolho de cachorro-quente vencido.

O monstro mordeu minha camisa e me jogou contra a lixeira. Fiquei zonzo e vi que a criatura preparava-se para atacar de novo. Por sorte, o garoto branquelo desistiu de conversar com todo mundo e foi ao meu socorro. Ele possuía um par de adagas e acertou o rabo do monstro, que gemeu. A criatura queria dedicar toda sua atenção a mim, mas resolveu acabar logo com aquele que o importunava. Virou-se para o menino e mordeu o braço dele. Eu tive vontade de gritar, pois dessa vez a criatura foi firme. Mas algo ainda mais incomum aconteceu.

Uma ventania fria começou a espalhar todas as sacolas de lixo. Elas eram empurradas para a parte do beco que não tinha saída. Quer dizer, não uma saída para este mundo. Ao me virar, reparei que uma imensa esfera esverdeada havia se formado, de uns dois metros de diâmetro, atraindo tudo o que estava perto. O menino pálido, já ferido, estava a poucos centímetros do portal. O lagarto pulou para perto da esfera esverdeada e empurrou o garoto para dentro. Eu vi as flechas voarem contra o portal e sumirem no nada. O garoto de tacape correu, mas não conseguiu chegar a tempo do portal diminuir até desaparecer. O lagarto mutante havia sumido assim como o terceiro membro daquela incomum equipe.

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