Vale das Memórias Perdidas - IV

169 19 52
                                    

"O mal, ele se espalhou como uma febre
Era noite quando você morreu, meu vaga-lume
O que eu poderia ter dito para te ressuscitar dos mortos?
Oh, eu poderia ser o céu no Quatro de Julho?

Bom, você fala demais
Meu falcãozinho, por que você chora?
Me conte, o que você aprendeu com o incêndio de Tillamook?
Ou com o Quatro de Julho?
Todos nós vamos morrer"

Sufjan Stevens - Fourth Of July

Tudo era um borrão e ao mesmo tempo dolorosamente nítido naquelas memórias, como uma inscrição talhada profundamente em uma pedra que nem milhares e milhares de séculos poderiam apagar totalmente. Ela se lembra de ser encontrada por Diluc e Kaeya no amanhecer ainda sobre o corpo de Venti, viu a si mesma ser levada gentilmente pelo amigo de cabelos azuis enquanto o irmão recolhia o corpo do bardo. Se viu enterrando o mesmo sobre o grande carvalho como a antiga heroína de Mondstadt, junto dela a alguns metros apenas estavam Kaeya, Jean e Diluc observando o luto silencioso da loira. Todos ali tinham perdido demais nas últimas horas, Diluc ainda estava ferido assim como Kaeya, Jean estava praticamente cega no seu olho esquerdo devido a um ataque de um monstro do qual escapou por pouco graças a Lisa que se sacrificou por ela "a cidade precisa da grande mestre intendente" foi o que a bibliotecária disse a Jean, na cidade Barbara estava esgotada de tanto curar pessoas e mais ainda haviam pra serem curadas, Rosária a ajudava tentando ser útil mesmo depois de perder uma das mãos. Lumine sentia a culpa, aquilo era por sua causa, foi seu irmão quem feriu e matou todas aquelas pessoas.

Ela sentia que era a última pessoa que merecia estar viva e sem ferimentos, porém escolheu o silêncio mesmo quando queria implorar que Venti apenas voltasse de alguma forma. Pelas semanas seguintes Lumine ajudou a cuidar dos feridos e restaurar a ordem, gastou toda sua energia e tempo nisso: cuidou das crianças que perderam os pais, dos pais que perderam os filhos, ajudou na adaptação de quem perdeu um membro ou sentido naquela batalha e desejou que pudesse devolver a todos o que perderam mas sabia que mesmo com seu poder original não conseguia fazer isso.

— Já terminou aí? - Barbara pergunta, tirando ela de seus pensamentos.

— Já - Lumine responde em voz baixa - como a Fischl está?

— Bom eu tive que sedar ela - Barbara suspira cansada - ela começou a gritar e chorar e se machucar quando viu a visão apagada do Bennett... Não sei se tem muito o que possamos fazer por ela já que o corpo nós já curamos.

Eram aqueles pequenos diálogos que faziam Lumine sentir que era tudo sua culpa, sempre que terminava suas tarefas caminhava até a origem do vento e se deitava esperando sentir a presença de Venti, olhando a pequena marcação de pedra que fez onde o corpo dele descansava. Dormia na grama macia e sonhava com seu último terrível momento ao lado dele, sentia raiva profunda de Aether mas a tristeza e a culpa era muito maior do que qualquer outro sentimento. Venti havia cavado um buraco no coração da loira que estava vazio desde que ele havia morrido, Lumine ainda tinha a visão falsa quebrada dele e tentava juntar os pedaços mas aquilo era tão inútil quanto pensar que quando acordasse pela manhã do dia seguinte tudo voltaria ao normal.

Lumine viu a si mesma do passado repetir a nova rotina parecendo tão pesada quanto Teyvat inteira, viu a si mesma dormir em sua tristeza profunda e acordar gritando e chorando por que nem em seu sono ela encontrava paz. Viu a si mesma perder peso até seu vestido antes justo ficar folgado, viu os olhares preocupados de seus amigos sobre ela, viu a si mesma pensar em ir atrás do irmão pra mata-lo mesmo sabendo que não conseguiria ser cruel com ele como ele havia sido com todos em sua busca injusta por justiça. Viu a si mesma definhando lentamente enquanto tudo se reconstruía na mesma velocidade.

— Não precisa ficar aqui todas as noites, você sabe não é? - Diluc aparece numa das noites que ela estava sobre o túmulo de Venti, o olhar do ruivo era suave como uma pena - não precisa se torturar por isso eternamente.

— Nem a eternidade faria tudo isso desaparecer - ela responde fechando os olhos, tentando ouvir o som suave do vento - precisa que eu faça algo?

— Todos estão preocupados com você Lumine - o ruivo suspira se sentando ao lado dela - eu tenho vigiado você todas as noites que vem dormir aqui. Eu sei que sente falta dele, eu sei como é perder alguém mas se matar aos poucos não é algo que deixaria ele orgulhoso. Eu e todos somos gratos pelo seu esforço em ajudar a reconstruir tudo mas não em troca de ver você assim, dormindo aqui quando qualquer um ficaria feliz em te dar uma cama decente e parando de comer. Eu sei que é cruel perder alguém mas você ainda está viva Lumine. Faça algo de bom com o tempo que ainda tem, algo que deixaria ele feliz também.

— Eu sinto muito que eu esteja causando preocupação - aquilo é tudo o que ela diz.

— Vem - Diluc estende a mão - pode dormir na adega, tenho quartos sobrando e Adelinde vai ficar feliz em fazer algo pra você comer.

Lumine viu sua versão do passado aceitar. Ela caminhou ao lado de Diluc até a Adega do Alvorecer, foi acolhida por Adelinde, Elzer, Moco, Hillie e surpreendentemente Kaeya também estava ali. Ela entendeu com um pequeno sorriso que os irmãos haviam decidido deixar o passado de lado e aproveitar enquanto tinham um ao outro como família, aquilo deixava a loira feliz ao mesmo tempo que partia seu coração saber que provavelmente jamais seria assim com seu irmão de novo. Ela comeu enquanto ouvia Kaeya contar alguma de suas histórias mirabolantes na tentativa de diatrai-la até que ficasse tarde e todos fossem dormir em seus respectivos quartos.

Lumine não dormiu. Ao invés disso desceu as escadas em silêncio saindo pela porta, seus pés descalços a guiando até onde realmente queria estar "todos os caminhos de Mondstadt levam a origem do vento..." Ela se lembrava de ter ouvido aquilo quando chegou a Mondstadt a muito tempo atrás. Então ali estava novamente diante do túmulo discreto de Venti, evocou sua espada que parecia leve demais em suas mãos naquele momento.

— Eu não consegui consertar a sua visão falsa - ela diz dando risada porém as lágrimas quentes pingavam em sua lâmina - eu tentei mas o vidro é difícil demais de colar no lugar...

Então apenas afundou sua própria espada em suas costelas, cada vez que fez isso doeu menos que a primeira vez. Deixou sua espada cair ao seu lado enquanto deitava no chão, o sangue se espalhando a sua volta e sua visão já escurecendo enquanto via uma pequena estrela entre as folhas do grande carvalho.

— Eu não sou tão forte assim - ela diz sentindo o sangue engasgando em sua garganta, a respiração ficando difícil e seu coração batendo lentamente - não posso viver em um mundo onde você não existe...

Ela tentou dizer que sentia muito por escolher morrer a viver com a dor, porém não tinha mais tempo. A visão ficou escura e todas as suas lembranças acabaram naquela noite, com o túmulo, o carvalho e o chão manchado de sangue.

💚💚💚

Oe oe oe babys tudo bem com vocês? É. Isso mesmo que vocês leram, não tem equívoco ou engano em nada. Enfim se gostarem deixem a estrelinha e comentários beijinhos e até o próximo capítulo.

When The Wind Calls Onde histórias criam vida. Descubra agora