Era a segunda vez que acordava sentada na cadeira, enrolada por uma corda e com a mesma garota na sua frente. Tentou se mexer e se soltar de novo, mas parecia que dessa vez Sneha tinha amarrado direito.— O seu negócio… o niqab… tá na sua cabeça, eu coloquei de volta. Não me xinga. Pode me ouvir?
— E você pode parar de fazer isso de bater com essa tawa na minha cabeça?
— Você estava me ameaçando, não tive outra escolha, se ficasse quieta e me escutasse eu não teria que fazer aquilo.
Então Raatri decidiu ouvir, escutar aquela garota que parecia tão ingênua, fraca e… estranha.
— Enfim… quero ver as luzes… essas luzes. — Sneha disse e apontou para a pintura atrás dela. — Diwali, minha mãe disse.
— Sim, Diwali, o festival das luzes, todo ano, para acabar com a escuridão… sei lá, essas coisas dos hindus, sei. Continua.
— O quê? Hindus? Escuridão?
— Continua, menina. Você quer ver as luzes mas e daí?
— Você vai me levar. E meu nome é Sneha, para de me chamar de menina.
— EU? Vou te levar? Você quer que eu morra? Todo mundo do império deve estar me procurando agora, eu roubei a coroa da princesa perdida! Eu sou mulçumana, você sabe como eles tratam qualquer mulçumano, imagina só uma que ainda é ladra!
Sneha não havia entendido nada e isso estava estampado em sua cara, Raatri tinha que segurar para não rir da confusão da garota. Se ela não sabia o que era um niqab, não deveria saber também o que era mulçumano, hindu, o império, a princesa e tudo mais.
— Você não entendeu nada, não é?
— Não. Por que você fala tanta palavra sem sentido?
— Não é sem sentido, você que parece que viveu toda sua vida dentro dessa torre!
— Como você…
Então Raatri entendeu, ela realmente tinha passado a vida inteira naquela torre, por isso era tão medrosa, boba e engraçada. Estava com medo de que cortassem o cabelo dela e usando uma tawa para se proteger, com certeza alguém que vive lá fora acharia isso completamente estranho. Aquela garota, Sneha, um pouco alta, com aquela trança imensa, os pés descalços e uma tawa na mão, era a coisa mais aleatória e curiosa que já havia visto em toda a sua vida.
— Tá vai, eu te levo nas luzes.
— É SÉRIO?! — a garota na mesma hora abaixou a guarda e abriu um sorriso gigante, saindo pulando pelo cômodo. — Eu vou ver as luzes! Eu vou sair daqui! Finalmente!
— Uhul, luzes! Agora me solta.
Sneha veio correndo e desamarrou Raatri, como se 5 segundos antes não estivesse morrendo de medo dela. Assim que se viu solta, Raatri pulou da cadeira e agarrou o pulso da outra garota, que arregalou os olhos.
— Eu te levo, mas me engana que eu corto o seu cabelo!
A menina então saiu correndo segurando a trança e pegou a tawa no chão, apontando para a outra que agora estava morrendo de rir.
— Se você tem tanto medo que mexam no seu cabelo, você vai ter que enrolar ele ou se cobrir como eu, porque lá na cidade todos vão ficar loucos com ele!
E esse era o plano de Raatri, levar a garota para recuperar sua bolsa e ainda lucrar com a venda de um cabelo gigante e tão bem cuidado quanto o dela, que nunca se veria igual. Pagariam uma boa grana por um cabelo desses.
— Vamos, pega o que você precisar e vamos embora. Se você quiser chegar na cidade a tempo do Diwali temos que sair o mais rápido possível.
— Já estou pronta!
Raatri respirou fundo e então pensou “Essa garota tá descalça e o sari dela está todo amassado, ela quer ir pra capital desse jeito?”.
— Você não tem um sari mais… arrumado, não? E um sapato, talvez? E larga essa tawa, você não vai levar isso, vai?
— Vou… o que que tem? Já estava pensando em fugir então minha bolsa já está pronta. E esse é o meu melhor sari. E ah, preciso da tawa para me proteger se você decidir cortar meu cabelo ou me matar no meio da viagem.
— Tá então, vamos logo!
Raatri foi até a janela, pegou a corda do gancho e deslizou até o chão, esperando que a garota fizesse o mesmo. Mas então viu ela enrolando a trança em um apoio e se jogando do parapeito, descendo aos poucos pendurada em seus cabelos gigantes.
— Essa garota é muito estranha.
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Estrelas Flutuantes - Uma releitura sáfica de Enrolados
RomanceSneha viveu quase 18 anos presa dentro de uma torre, convivendo apenas com sua mãe. Alguns dias antes de seu aniversário de 18 anos uma garota escala a torre e entra em sua casa, é Raatri Chor, a Ladra da Noite, a criminosa mais procurada e conhecid...