4. RAATRI CHOR

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  Era a segunda vez que acordava sentada na cadeira, enrolada por uma corda e com a mesma garota na sua frente. Tentou se mexer e se soltar de novo, mas parecia que dessa vez Sneha tinha amarrado direito.

  — O seu negócio… o niqab… tá na sua cabeça, eu coloquei de volta. Não me xinga. Pode me ouvir?

  — E você pode parar de fazer isso de bater com essa tawa na minha cabeça?

  — Você estava me ameaçando, não tive outra escolha, se ficasse quieta e me escutasse eu não teria que fazer aquilo.

  Então Raatri decidiu ouvir, escutar aquela garota que parecia tão ingênua, fraca e… estranha.

  — Enfim… quero ver as luzes… essas luzes. — Sneha disse e apontou para a pintura atrás dela. — Diwali, minha mãe disse.

  — Sim, Diwali, o festival das luzes, todo ano, para acabar com a escuridão… sei lá, essas coisas dos hindus, sei. Continua.

  — O quê? Hindus? Escuridão?

  — Continua, menina. Você quer ver as luzes mas e daí?

  — Você vai me levar. E meu nome é Sneha, para de me chamar de menina.

  — EU? Vou te levar? Você quer que eu morra? Todo mundo do império deve estar me procurando agora, eu roubei a coroa da princesa perdida! Eu sou mulçumana, você sabe como eles tratam qualquer mulçumano, imagina só uma que ainda é ladra!

  Sneha não havia entendido nada e isso estava estampado em sua cara, Raatri tinha  que segurar para não rir da confusão da garota. Se ela não sabia o que era um niqab, não deveria saber também o que era mulçumano, hindu, o império, a princesa e tudo mais.

  — Você não entendeu nada, não é?

  — Não. Por que você fala tanta palavra sem sentido?

  — Não é sem sentido, você que parece que viveu toda sua vida dentro dessa torre!

  — Como você…

  Então Raatri entendeu, ela realmente tinha passado a vida inteira naquela torre, por isso era tão medrosa, boba e engraçada. Estava com medo de que cortassem o cabelo dela e usando uma tawa para se proteger, com certeza alguém que vive lá fora acharia isso completamente  estranho. Aquela garota, Sneha, um pouco alta, com aquela trança imensa, os pés descalços e uma tawa na mão, era a coisa mais aleatória e curiosa que já havia visto em toda a sua vida.

  — Tá vai, eu te levo nas luzes.

  — É SÉRIO?! — a garota na mesma hora abaixou a guarda e abriu um sorriso gigante, saindo pulando pelo cômodo. — Eu vou ver as luzes! Eu vou sair daqui! Finalmente!

  — Uhul, luzes! Agora me solta.

  Sneha veio correndo e desamarrou Raatri, como se 5 segundos antes não estivesse morrendo de medo dela. Assim que se viu solta, Raatri pulou da cadeira e agarrou o pulso da outra garota, que arregalou os olhos.

  — Eu te levo, mas me engana que eu corto o seu cabelo!

  A menina então saiu correndo segurando a trança e pegou a tawa no chão, apontando para a outra que agora estava morrendo de rir.

  — Se você tem tanto medo que mexam no seu cabelo, você vai ter que enrolar ele ou se cobrir como eu, porque lá na cidade todos vão ficar loucos com ele!

  E esse era o plano de Raatri, levar a garota para recuperar sua bolsa e ainda lucrar com a venda de um cabelo gigante e tão bem cuidado quanto o dela, que nunca se veria igual. Pagariam uma boa grana por um cabelo desses.

  — Vamos, pega o que você precisar e vamos embora. Se você quiser chegar na cidade a tempo do Diwali temos que sair o mais rápido possível.

  — Já estou pronta!

  Raatri respirou fundo e então pensou “Essa garota tá descalça e o sari dela está todo amassado, ela quer ir pra capital desse jeito?”.

  — Você não tem um sari mais… arrumado, não? E um sapato, talvez? E larga essa tawa, você não vai levar isso, vai?

— Vou… o que que tem? Já estava pensando em fugir então minha bolsa já está pronta. E esse é o meu melhor sari. E ah, preciso da tawa para me proteger se você decidir cortar meu cabelo ou me matar no meio da viagem.

  — Tá então, vamos logo!

  Raatri foi até a janela, pegou a corda do gancho e deslizou até o chão, esperando que a garota fizesse o mesmo. Mas então viu ela enrolando a trança em um apoio e se jogando do parapeito, descendo aos poucos pendurada em seus cabelos gigantes.

  — Essa garota é muito estranha.

Estrelas Flutuantes - Uma releitura sáfica de EnroladosOnde histórias criam vida. Descubra agora