O primeiro dia foi fácil. Raatri não era uma péssima companhia, ela ria com as perguntas de Sneha, respondia a maioria delas — porque se negava a dizer o que era “porra” — e cuidava da garota. Quando estava com fome, fazia questão de encontrar alguma fruta para ela comer. Quando reclamou do frio, Raatri emprestou um dos seus niqab para ela se cobrir.— Sabe, é legal roubar.
— Não, não é.
— É sim, olha, enquanto os ricos estão lá cheio de dinheiro explorando a gente… eu posso só entrar, pegar um pouquinho e viver minha vida. Eles não vão sentir falta!
— Você não roubou a coroa de uma princesa? Aposto que DISSO as pessoas sentem falta.
— Ela tá perdida mesmo, talvez até morta, então e daí? Mukut estava lá, parada, sem uso nenhum. Agora posso vender e fazer um bom uso do dinheiro!
— Você é louca.
— Diz quem estava me ameaçando com uma tawa até ontem.
— Você desmaia só de eu bater com ela na sua cabeça, então pelo menos funciona.
— Você tem medo que eu corte seu cabelo.
— Você rouba as pessoas.
— Você quer ver um monte de balão com luz voar no céu.
— Você surta por causa de um pedaço de pano.
Então Raatri ficou em silêncio e começou a andar mais rápido, deixando Sneha para trás. Mesmo sendo menor ela era muito mais ágil que a outra, que teve que começar a correr para alcançar.
— Chor! Para de correr. Você ficou brava?
— Eu sabia que alguma hora você iria dizer algo assim. Não é só um pedaço de pano!
— Tá, niqab. E daí se ele tem nome?
Raatri puxou a faca que guardava na beirada da calça e se virou apontando ela em direção à menina.
— Olha aqui, já basta um país inteiro enchendo a porra do saco da gente por causa da nossa religião, não preciso de ouvir mais merda de uma menininha boba que morou a vida inteira em cima de uma torre. Então cala a sua boca e fica quieta, ou eu te jogo de cima desse monte e você vai sair rolando até lá embaixo.
— Tá bom, desculpa, foi mal… eu nem sei o que é religião, não sabia que ia ofender, não falo mais do… niqab.
— Pera, você não sabe o que é religião? Você tem um tilaka (nota: o ponto vermelho que hindus usam na testa), como não sabe?
— Mamãe diz que é para proteger, para não deixar nossa energia escapar…
— Isso é uma tradição hindu. Você não sabia? Uma tradição religiosa, assim como a minha de me cobrir com o niqab, entendeu?
— Ah… então o seu também é pra não perder energia?
— É diferente... Mas é difícil explicar, cada um tem sua interpretação, para mim é para me proteger e também é minha forma de exercer a minha religião, mas outras mulheres e pessoas fazem diferente e isso não é um problema.
— Acho que entendi.
Raatri, que estava esperando julgamento, ficou surpresa com a reação de Sneha. Normalmente as pessoas sempre a criticavam, quando tentava explicar para um hinduísta nem sequer conseguia terminar a explicação. Ela olhou para a garota que andava ao seu lado pulando e sorrindo, e acabou sorrindo também.
— Obrigada por entender.
— De nada, eu acho.
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Estrelas Flutuantes - Uma releitura sáfica de Enrolados
RomantizmSneha viveu quase 18 anos presa dentro de uma torre, convivendo apenas com sua mãe. Alguns dias antes de seu aniversário de 18 anos uma garota escala a torre e entra em sua casa, é Raatri Chor, a Ladra da Noite, a criminosa mais procurada e conhecid...