9. SNEHA

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Sneha se encolheu no chão, com o frio e com o sentimento machucado de um abraço não correspondido. Ficou assim, até ouvir um barulho entre as árvores, e ver uma sombra que com certeza não era de Raatri se aproximar.

— Quem é?

— Aiai, Sneha… já se esqueceu da sua própria mãe?

A garota tremeu ao ouvir a voz da senhora, que então se aproximou o suficiente para que fosse possível ver o rosto pela luz da lua. Ela parecia mais velha, assim como parecia quando chegava em casa após um longo tempo fora. Os poucos fios grisalhos que antes tinha agora cobriam todo o seu cabelo.

— Mamãe…

— Sneha… tão boba, tão ingrata, saiu de casa mesmo assim! Preocupada voltei para a torre, e quando chamei nenhum cabelo apareceu, chamei de novo, gritei! Tive que escalar… e não achei você. Achei apenas essa coisa, escondida entre os azulejos…

A mulher jogou a coroa aos pés de Sneha. A garota pegou ela correndo, abraçando para que sua mãe não pegasse de volta.

— É minha.

— Não, não é sua. É da garota. Na verdade, a coroa é do Império… mas a ladra com quem você anda, quem parece que você agora confia mais do que confia na sua própria mãe, roubou. E agora vai roubar você!

— O quê?

— Eu já te disse, Sneha, como o mundo aqui fora é. Aquela garota é uma ladra, ela quer o seu cabelo, quer vendê-lo, depois vai vender você. Enviá-la para ser usada, em troca de um pouco de dinheiro.

— Não! Raatri não vai fazer nada disso! Quem me prendeu durante anos foi você! Eu só queria ver as estrelas flutuantes, ela está me ajudando a realizar meu sonho.

— Ela está te levando para a capital para te vender, e você está caindo no papo dela. Mas se é isso o que quer, então bom para você, Sneha. Você ainda irá voltar correndo para mim!

Então a senhora se afastou, voltando de onde havia vindo, deixando sua filha sozinha novamente.

— Menina, tá tudo bem?

Sneha deu um pulo com o susto que tomou, assim que a mãe saiu Raatri chegou com os gravetos na mão e já estava preparando a fogueira.

— Sim, sim. Estou sim, só estava… pensando.

— Entendi, pode pegar umas pedras para mim? Preciso por elas em volta da fogueira.

Ela pegou as pedras, se aproximando mais da garota, escondendo a coroa na própria bolsa.

— Você tem outro niqab? O seu soltou enquanto corria…

— Sim, tenho na bolsa, mas agora estão todos molhados. Vou deixar secando perto da fogueira enquanto a gente dorme, é melhor você deixar alguma roupa que tenha secando também. E o seu cabelo… ele é pesado, se deixar ele molhado desse jeito vai acabar ficando resfriada.

As duas começaram a tirar suas roupas das bolsas, colocando penduradas em um varal improvisado que Raatri fez perto do fogo. Então se deitaram olhando as estrelas no céu.

— Estrelas.

— Não são as flutuantes…

— Você não gosta das normais?

— Elas ficam paradas, não tem graça nenhuma.

— Já reparou que algumas não tremem? Não sintilam...

— Não.

— Olha aquela ali. — Raatri então apontou para o céu — Está vendo? Aquele pontinho?

— Sim! Estou… por quê só ela não treme?

— Porque não é uma estrela.

— O quê?!

— Não é uma estrela, as que não tremem são planetas… assim como o nosso.

— Como sabe disso?

— Meu pai me contou… antes, quando ele ainda era vivo.

— Sinto muito. — Sneha disse e então se virou olhando para a garota do outro lado da fogueira, que também tinha se virado. — Pelo seu pai…

— Não precisa sentir… foi o Império que o matou, não você.

— É por isso que roubou a coroa?

— É um dos motivos.

— E qual o outro?

— Eu roubo para sobreviver, Sneha. Eu roubo porque se não o fizer eu morro. Não importa o quanto eu tente me mudar, o mundo nunca vai mudar como me vêem. Me chamavam de ladra antes mesmo de nascer, diziam que essa terra era deles e somente deles. Então sei lá, eu só decidi assumir o título. Os homens da taverna me criaram, me ensinaram a roubar. No começo eu roubava coisas pequenas, algumas moedas, um pãozinho. Depois comecei a fazer grandes roubos, eu e meus primos roubávamos carregamentos de grãos no meio da estrada e levávamos para a taverna. Tecidos, gado, tudo nós damos um jeito. Até que nos tornamos o trio de ladrões mais conhecido, a Raatri Chor, ladra noturna, e seus primos. Inimigos do Império começaram a nos procurar pedindo que a gente roubasse o Império para eles, e aí eu vi uma oportunidade de me vingar, vingar a morte do meu pai. Da minha família, do meu povo. Peguei o trabalho e então roubei o item mais precioso do Império, a coroa da princesa perdida. A mukut de Mirai.

— E está feliz agora? Agora que se vingou?

— Não…

— Então qual o seu sonho, Raatri? O seu sonho de verdade. Quer dizer, seu nome sequer é Raatri?

— Acho… que eu quero poder viver em paz. Sem medo. Sem ter que roubar para isso. Sem ter que ser humilhada nas ruas apenas por causa do que acredito, como me visto e de quem eu gosto. Acho que esse é meu sonho.

— É um sonho bonito… mas você ignorou minha última pergunta. Qual é o seu nome?

— Amanhã vai ser um grande dia, menina. Vamos dormir… talvez um dia você saiba o meu nome.

Estrelas Flutuantes - Uma releitura sáfica de EnroladosOnde histórias criam vida. Descubra agora