13. SNEHA

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A menina estava com medo. Com medo das pessoas, depois do que aconteceu na venda ela acreditava que não podia confiar em mais ninguém. Com medo dos próprios sentimentos, sua mãe, Raatri, ela não sabia o que fazer. E com medo de si mesma, com medo de aceitar que estava errado, que sua mãe o tempo inteiro esteve certa, que o mundo fosse horrível.

Depois de um longo tempo sentada sozinha debaixo da ponte, fazendo carinho em Mahaanatam enquanto pensava, Raatri voltou. Já estava anoitecendo, ela veio de canoa, descendo pelo rio e parando bem debaixo da ponte, na água do lado da terra em que estava sentada. A ladra, que agora estava usando o niqab completo, pulou da canoa sorrindo e segurando uma sacola grande consigo.

— O que é isso? — Sneha perguntou com medo.

— São só as luzes, Sneha… não é nada que vai machucá-la, não se preocupe. Olha.

Então Raatri tirou de dentro da sacola duas coisas brancas, em formado cilíndrico, ligadas por uma armação de metal a uma mini plataforma onde ficava uma vela. Aquele era o balão que acendiam, era o que ela sempre quis ver.

— É a estrela! Quer dizer, o balão… é só ligar a vela que ele voa?

— Sim, não sei como explicar… mas a vela queima o ar lá dentro, deixando tudo mais leve e aí ele voa. Acho que é isso, não sei, nunca fui à escola.

— E como nós vamos ligar as velas?

— Eu tenho fósforo.

Raatri guardou as velas debaixo do banco da canoa e veio se sentar ao lado da menina.

— Por que demorou tanto?

— Foi difícil encontrar alguém que quisesse vender as luzes para mim, então tive que roubar. A canoa… também. Desculpa por isso, mas você sabe, ninguém iria querer vender e alugar as coisas para mim, ainda mais depois da confusão de hoje.

— Não precisa pedir desculpas, não é sua culpa se as pessoas são horríveis. Se o mundo é assim.

As duas ficaram em silêncio, olhando enquanto o sol se punha. Enquanto a noite chegava e a cidade começava a se acender. Raatri então pegou um saco debaixo da canoa e jogou em direção de Mahaanatam.

— Sei que não gosta de mim, mas peguei umas cenouras para você. Fique aqui quietinho, vou levar sua amiga para ver umas luzes… não, luzes não, estrelas flutuantes! Você aceita, menina? — Raatri se virou para Sneha, oferecendo a mão para ela, que aceitou e se levantou.

A garota a ajudou a entrar na canoa, a se sentar e enfim começou a remar. Subiram o rio em direção às outras canoas paradas, esperando a hora do sino tocar para que pudessem acender seus balões.

— Enfim… toma. — Sneha disse de repente, puxando a coroa de dentro da bolsa e entregando para Raatri.

— Nossa… eu já tinha até esquecido. — a garota respondeu segurando ela, então percebeu que não queria mais a coroa. — Acho que não quero mais ela…

— Então o que quer? Meu cabelo?

— Não, menina! Na verdade, não vou mentir, eu pensei em vender seu cabelo, mas não… também não quero mais isso.

— O que você quer então?

Antes que Raatri pudesse responder, o sino tocou e as pessoas nos barcos começaram a acender os balões.

— Rápido, pega o balão, já estou com o fósforo.

As duas se ajudaram para acender os dois, então soltaram ambos no céu.

— Faz um pedido.

— O quê?

— É, eu esqueci desse detalhe… eles fazem um pedido quando soltam o balão, era pra ser quando a gente tinha soltado mas finge que não.

— Eu quero…

— Não! Tem que ser só para si. Na sua cabeça.

— Pronto… o que você pediu?

— É segredo, se contar não realiza.

— Isso é injusto!

— Injusto é você ser tão linda… — Raatri falou sorrindo, e então ficou vermelha

— Oi? — Sneha falou surpresa.

— O que eu quis dizer é… injusto uma menina tão mimada e boba como você ser… meio bonitinha.

— Acho que não foi isso que você disse.

— Foi exatamente isso. Você que é ruim de ouvido.

— Raatri… olha pra mim. — então Raatri levantou o rosto. — Qual o seu nome?

— Isso de novo?

— Por favor, me diz.

— Tá… eu falo… mas você promete não rir?

— Sim.

— Anjum…

— O quê?

— Anjum.

— Parece um espirro…

— Você prometeu!

— Não é em hindi, é?

— É em árabe, minha família era toda árabe, eu sou árabe, não tem porque eu ter um nome em hindi.

— O que significa?

— Estrelas.

— Ah… é por acaso você flutua?

— O quê? - Anjum perguntou confusa.

— É que eu estou procurando umas estrelas flutuantes… só achei esses balões, mas enfim.

As duas começaram a rir, Sneha então chegou mais perto de Anjum.

— Posso tirar? — ela perguntou apontando para a parte do niqab que cobria o nariz e a boca de Anjum.

— Pode.

Ela sabia exatamente o que estava por vir, Sneha tirou a beirada que prendia na orelha esquerda de Anjum, e então puxou fazendo sair a que estava presa na outra. Então começou a se aproximar, cada vez mais perto, as bocas estavam quase coladas, Anjum conseguia sentir o cheirinho de manga do kulfi que Sneha tinha comido mais cedo. O cheiro do óleo de de hibisco em seus cabelos. Aqueles olhos pretos como noite encarando ela, até se fecharem.

Então Anjum se afastou. Sneha ficou sem entender, por quê? Por que havia se afastado? O olhar de Anjum estava em algo atrás de si, então se virou para olhar, não encontrando nada.

— O que foi?

— Hum… menina, preciso resolver uma coisa. Já volto.

Anjum pegou os remos e começou a descer o rio, deixou Sneha debaixo da ponte junto ao cavalo e então sumiu. A menina ficou sozinha esperando e esperando, olhando em direção do rio esperando Anjum voltar.

Mas ela não voltou. Poucos minutos depois Sneha viu a sombra de Anjum dentro da canoa, indo embora na direção contrária, segurando a coroa com triunfo.

Estrelas Flutuantes - Uma releitura sáfica de EnroladosOnde histórias criam vida. Descubra agora