1. SNEHA

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  — Puxe, Sneha!

  A garota então puxou, como fazia todos os dias ao anoitecer. Quando sua mãe chegava ao pé da torre e gritava-lhe "Jogue seus cabelos!", Sneha jogava. Quando pedia que puxasse, Sneha puxava. Quando dizia para que lavasse, limpasse, cozinhasse, cantasse, Sneha fazia cada uma dessas coisas sem reclamações, como sempre havia feito.

  — Sneha! Minha querida filha... — disse a senhora ao chegar no topo da torre — Mamãe trouxe aquelas mangas que tanto gosta, você fez tudo que pedi?

  — Sim, mamãe. Lavei as roupas, varri o chão, troquei os lençóis, tirei poeira dos vasos, reguei as plantas e fiz o jantar. Está tudo feito, mamãe.

  Sneha era assim, sempre respeitosa com sua mãe, sempre realizando tudo que ela mandava, não importa o que a senhora grisalha pedia, em poucos minutos o pedido estava feito. Se a conhecesse diria que ela era uma filha incrível, porém ninguém a conhecia além da própria mãe. Na próxima semana faria 18 anos que não saía da torre, suas únicas memórias era daquele lugar e das paisagens daquela mesma janela.

  — Então venha aqui, pegue o banco, vou pentear seu cabelo...

  A filha assim o fez, pegou o banco que a cada dois dias se sentava para que a mãe pudesse pentear o cabelo e trançar uma a longa trança que chegava em seus pés. Os fios pretos como carvão caíram sobre os ombros da garota enquanto a mãe os penteava.

  Enquanto encarava as paredes que ela mesma havia pintado, sua mãe penteou mechas de cabelo. Enquanto olhava cada ponto brilhante que desenhara no céu de sua pintura, sua mãe passou óleo em cada fio de cabelo. Enquanto pensava ansiosa em como iria dizer o que estava pensando, a mãe começou a trançae o longo cabelo.

  — Mamãe.

  — Oi, Sneha.

  — Hum... meu aniversário... está chegando.

  — Sim, Sneha. Irei fazer seu sorvete de manga! Trazer mais tinta para você pintar! Fazer caramelo!

  — O que faz todo ano, mamãe.

  — O que foi, Sneha? Quer dizer que agora já não gosta mais de manga, pintar e doce?

  — Não, eu gosto de tudo isso... mas... estava pensando em algo diferente dessa vez, algo que eu sempre quis.

  — Então diga, Sneha! Pare de enrolar, diga logo o que quer!

  Mesmo sabendo que a senhora já estava sem paciência, a menina respirou fundo e enfim disse o que queria.

  — Quero ver as estrelas.

  A mãe ficou em silêncio por um tempo. Sneha sentiu a mão dela parar de trançar seu cabelo.

  — O quê?

  — As estrelas, eu quero ver as estrelas que voam da cidade! — falou a garota enquanto apontava para a pintura na sua frente — Todo ano, tão perto do meu aniversário, aquelas estrelas estranhas saem voando lá da cidade e vão para o céu... eu queria ver de perto.

  Assim que terminou de falar percebeu que estava tremendo, então sua mãe começou a rir.

  — Sneha! Estava achando que você tinha ficado louca! Estrelas! São luzes, Sneha, é o Diwali.

  — O quê? Diwali?

  — Sim, Diwali, o festival de luzes. Eles acendem um tipo de balão com uma vela dentro que faz ele voar, só isso.

  O pedido da garota não havia sido respondido, não ouviu um sim, nem um não. A mãe voltou a ficar em silêncio, então Sneha tomou coragem para pedir de novo.

  — Mamãe, posso?

  — Pode o quê, garota?

  — O Diwali... as luzes...

  — Sneha, está louca? — a mulher falou levantando da poltrona que estava sentada, deixando a trança agora acabada cair pelas costas da filha e indo para frente da menina. — Você não sai daqui, sabe disso! Mamãe já te disse dos perigos do mundo lá fora. Você só precisa de mim, das suas tintas e dos doces que eu vou fazer, como sempre foi!

  — Mas mamãe...

  — MAS NADA! — a mãe estava vermelha de raiva, como nunca havia ficado — Mas nada, Sneha! Já te disse, as pessoas lá fora são monstros, só de pisar na cidade te agarrar iam pelos cabelos, cortariam sua trança para vencer, usariam seu corpo, seu trabalho! O mundo lá fora é horrível, Sneha!

  — Eu tomaria cuidado, eu já tenho 18 anos, mãe... Por favor, me deixa ir ver as luzes! Uma única vez!

  A garota estava ajoelhada aos pés da mãe, com as mãos no chão e o rosto abaixado, implorando pela chance de poder sair daquela torre ao menos uma vez. Então sentiu o aperto de uma das mãos da mulher no seu braço, a puxando com força para cima e com a outra mão levantando seu rosto para que olhasse em seus olhos.

  — Você não vai. Você não sai daqui, Sneha. Durante todos esses anos te dei casa, água, comida, até brinquedos e tinta para se entreter, e é assim que você me agradece, garota? É assim que você retribui todo o carinho que eu te dei? Sua ingrata!

  A mulher soltou a filha no chão e saiu andando para seu quarto, batendo a porta com força enquanto a menina soluçava encolhida na sala.



(Nota de autorie: Sneha é óleo ou "olear/passar óleo" em hindi. Tem uma tradição indiana chamada que consiste nas mulheres passarem óleo constantemente no cabelo e trançar. Quanto maior e mais brilhante mais status você aparenta ter. Isso é importante aí pra personagem)

Estrelas Flutuantes - Uma releitura sáfica de EnroladosOnde histórias criam vida. Descubra agora