As duas estavam deitadas na esteira de palha em um dos quartos que ficavam atrás da caverna. Depois de tanta cantoria, de comer e rir, estavam morrendo de cansaço. Sneha destrançava seu cabelo enquanto Raatri estava deitada de lado, apoiando a cabeça com uma das mãos e o cotovelo no chão, olhando para ela.- Seu cabelo é tão grande...
- Mamãe nunca cortou meu cabelo.
- Acho que eu não teria paciência... mal penteio o meu.
- Deu para ver quando você estava sem niqab, porque não tira e penteia agora então?
- Não tiro o niqab na frente das pessoas, no máximo a parte da frente, aí deixo só a do cabelo como se fosse só um hijab.
- Você nunca tira?
- Sim, tecnicamente. A maioria das mulheres não tira só na frente de homens e tira na frente de mulheres quando estão sozinhas... mas para mim é diferente.
- Por quê?
O quarto ficou em silêncio, Sneha conseguia ver nas expressões de Raatri que estava pensando se deveria dizer ou não. Até que desistiu e se deitou de costas no chão.
- Um dia você descobre... agora, vai dormir.
Raatri de encolheu em um canto da esteira, virando de costas para Sneha, que ainda estava penteando e passando óleo no cabelo. A menina continuou fazendo isso, pensando em como sua vida havia virado de cabeça para baixo tão de repente. Em um único dia uma garota invandira sua casa, ela viu pela primeira vez na vida alguém que não fosse sua mãe, saiu da torre e enfim pisou em algo que não fosse os azulejos dela, visitou uma taverna engraçada e agora estava indo dormir ao lado da ladra mais conhecida do império, que a ajudaria a realizar seu sonho.
Então de repente Raatri se levantou, em um pulo estava de pé, pegando a bolsa no canto do cômodo.
- Raatri, o que foi? Onde está indo? Você não vai me deixar aqui, vai?
- Fale baixo! - Chor sussurrou - Estou ouvindo cascos de aproximando, devem ser do exército. Temos que correr, não vamos poder dormir aqui.
- Eu ainda estou terminando minha trança...
- Então você vai com seu cabelo solto, não temos tempo, se quer tanto que seu sonho se realize temos que ir embora agora.
Sneha se levantou, enrolando o cabelo no braço e guardando o pente e o óleo que usava em sua própria bolsa. Assim que saíram do quarto e passaram pela entrada de trás da taverna, ouviram a porta da frente sendo aberta e se esconderam debaixo da bancada.
- Fiquem aí. - o homem de gancho cochichou - Estou indo abrir a passagem que dá para a represa no final da montanha. Corram o mais rápido possível e entrem na caverna do vale, ela vai levar vocês direto para o rio que circunda a capital. Boa sorte. E menina, espero que seu sonho seja realizado. Raatri, cuide dela.
O homem então se foi, e elas ouviram o barulho das espadas dos soldados batendo contra a lateral de seus cintos enquanto entravam na taverna.
- Onde está Raatri Chor?
- Não sabemos, senhor! Ela não vem aqui há semanas!
- Não mintam para mim, algum de vocês deve saber o paradeiro dessa ladra. Onde está Raatri?
- Mesmo se soubéssemos nunca iríamos dizer!
Uma passagem se abriu aos pés das garotas, formando uma rampa por onde elas deslizaram e caíram em um corredor de pedra. Não esperaram para ouvir o resto da conversa, Raatri deu dois toques na madeira da rampa que logo se levantou para o lugar, tapando a passagem de onde tinham vindo.
- Vamos, temos que correr! Eles têm um cavalo farejador, mesmo que os homens tentem nos ajudar alguma hora vão descobrir para onde nós fomos. Vem.
As duas correram pela passagem, um longo corredor por dentro da montanha que não parecia ter fim, até que começaram a ouvir o exército se aproximar por trás.
- Temos que correr mais! Eles vão nos alcançar! Menina, segure o seu cabelo para não tropeçar!
- Estou segurando!
Elas correram como se fossem morrer - não que isso fosse mentira no caso de Raatri - e enfim chegaram no final da caverna, dando de cara para um penhasco.
- O quê? Ele tinha dito que esse túnel daria lá embaixo, na represa!
- Acho que ele abriu a passagem errada, meu deus, o que a gente faz?
- Eu tenho uma ideia, vem cá.
Então Sneha agarrou a garota, segurando forte em volta da sua cintura, e jogou seus cabelos até uma árvore do outro lado do penhasco.
- MENINA, CALMA! Você está louca?! Nós vamos bater com tudo no penhasco!
- Confia em mim!
Sneha pulou assim que o cavalo do exército apareceu pela abertura da caverna, e as duas foram em direção à parede do outro lado. Enquanto Raatri gritava de medo, chamando ela de louca e repetindo um milhão de xingamentos, Sneha foi soltando o cabelo aos poucos, fazendo com que se abaixassem pelo penhasco.
- Nós vamos bater! Nós vamos bater!
E então Sneha soltou de vez, as duas deslizaram sobre o chão molhado e pararam recuperando o fôlego.
- Menina, você é louca!
- Não dá tempo para isso, eles estão descendo por outra entrada que encontraram. Corre, Raatri!
As meninas correram, a bolsa de cada uma batendo contra seus corpos, o cabelo de Sneha balançando no ar enquanto caía da árvore que usaram para se pendurar, Raatri se esforçando para segurar o niqab preso na cabeça. O exército então começou a sair de uma caverna do outro lado do vale.
- Eles vão nos alcançar, menina. Não importa o quanto a gente corra! Eu tenho que fazer algo.
- O quê? Raatri! Raatri, onde você está indo?
Sneha observou enquanto a ladra correu em direção à uma parede de madeira, por onde um pouco de água escorria. Ela entendeu, Raatri estava cortando uma das cordas que prendia as madeiras, ela iria quebrar a represa.
- RAATRI! VOCÊ VAI SE AFOGAR!
- CORRE, SNEHA. EU TE ALCANÇO!
Então a represa se partiu, aos poucos as madeiras presas pela corda que a garota cortou foram se soltando, e com a pressão da água as outras foram se partindo. Antes de ser atingida pela água, Sneha só conseguiu ver Raatri correndo enquanto seu véu se soltava de sua cabeça.
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Estrelas Flutuantes - Uma releitura sáfica de Enrolados
RomanceSneha viveu quase 18 anos presa dentro de uma torre, convivendo apenas com sua mãe. Alguns dias antes de seu aniversário de 18 anos uma garota escala a torre e entra em sua casa, é Raatri Chor, a Ladra da Noite, a criminosa mais procurada e conhecid...