Para entender um pouquinho do meu mundo não
posso deixar de falar da velha, eu já mencionei que ela é bonita e grande, mas também é reclamona, taí algo que temos diferente, em dias de ventania ela resmunga, parece até que vai quebrar, já eu me sinto em paz, o barulho forte da chuva e dos ventos me conforta, pois é mais alto que o barulho da minha mente, assim eu consigo tirar o foco de tudo e permanecer em atenção plena, observando o final dos tempos, na verdade, o final da tempestade.- Alice, para onde vai nessa chuva?, pergunta minha mãe ao me ver descer as escadas sorrateiramente.
- Vou ir ver a velha, respondo.
- Mas, filha, está chovendo muito e você pode ficar doente, tire essa ideia da cabeça ou espere a chuva amenizar, ordena minha mãe.
Então desço os últimos degraus da escada e me jogo no sofá, suspiro enquanto olha a fogueira apagada.
- Posso acender a fogueira, mãe?
- Alice, o que está te afligindo? Eu te conheço e sei quando você procura diversas coisas para fazer, é para não lidar com o que está sentindo, o que houve?
- Minha mãe é tão profunda, pensei, já sei quem eu puxei, então me viro no sofá em direção a ela.
- Eu estou mesmo aflita.
Minha mãe olha com a testa franzida e pensativa.
- Me conte mais sobre?
- Eu queria ser igual à velha, grande, forte, resistente, não ter que lidar com tanta emoção, ela não precisa ir para escola aturar pessoas chatas, ela escuta diversas histórias, segredos, ela ver tudo, pode ficar em baixo da tempestade, troca suas folhas nas estações e pode observar todas as estrelas a noite inteira, eu tô aqui, querendo ser a velha.
Minha mãe senta do meu lado.
- Vou te contar uma história que minha mãe me contou e que a mãe dela contou para ela, é um segredo, tá?
Eu, curiosa, sento-me ereta, - tá!
- Havia uma rainha, todos do povoado lhe adoravam, todos queriam sua presença a todo instante, e a rainha era obediente, disciplinada, no começo ela era feliz, pois a felicidade do seu povo, era a sua, ela passou a vida inteira se dedicando ao seu povoado, não tinha tempo para um amor, para amizades, ou para a família, pois tinha muitas pessoas que dependiam dela, ela não poderia dividir sua atenção e missão.
Um dia a rainha ficou muito doente, e claro que recebeu diversas visitas, mas nenhuma ficava com ela o tempo todo como ela se dedicava a todos, nesse questionável momento a rainha desejou por um instante um amor, amizades, mas não havia nada além de passagens em seu corredor, a rainha permaneceu ali por alguns dias, e foram seus últimos dias, então a morte veio lhe buscar.
A rainha não tinha filhos, não tinha família, ninguém, então não houve sucessores, o povoado ficou jogado, a mercê, houve guerras pelo trono até tudo desmoronar, e assim restou apenas dor e sangue inocente.
Por um minuto, houve um imenso silêncio na sala.
Então, indignada, falei - Ué, não entendi nada, mãe, a rainha fez o que ela queria, o que houve depois não foi problema dela, então qual a moral dessa história? E o que tem a ver com a velha?
Minha mãe suspira, se ajeita no sofá e diz.
- Dizem que a rainha está enterrada no mesmo lugar onde está a velha, que aqui era o antigo povoado, a rainha não fez o que ela queria, ela fez o que designaram pra ela, e tudo bem, mas, no fundo, a rainha desejou um grande amor, grandes amizades e até filhos, mas ela não queria dividir o tempo dela, para manter o povoado em ordem e feliz, e ela conseguiu, por um tempo, o castelo era de areia e se destruiu na primeira tempestade sem sua presença, o tempo avisou diversas vezes sobre a vida da rainha e sobre sua felicidade mas ela não escutou seu coração e seus desejos, a rainha vai permanecer para sempre fincada no mesmo lugar, a moral da história é que o tempo não volta, a vida é feita de movimento, erros, acertos, então dance na tempestade sempre que poder e quiser, mas uma hora ela vai acabar e você precisa se secar para não ficar doente, podemos cuidar dos outros, mas para isso precisamos cuidar de nós mesmo primeiro, e nossos desejos são importantes, a rainha permanece no mesmo lugar de sempre, cuidando do seu espaço, mas dependendo do vento para mover suas folhas.
Nesse momento, arregalei os olhos e falei.
- ENTÃO É POR ISSO!
Minha mãe ficou esperando a resposta desse espanto.
- Por isso, ela não gosta da tempestade, porque lembra-a de seus últimos dias, que precisou de alguém para se mover, e...
- Alice, é uma história muito antiga, a moral da história é apenas para você seguir seu coração, mas lembrar que também temos responsabilidades, filha. A tempestade parou.
Minha mãe levanta e volta aos afazeres da casa.
Eu suspiro e penso, - velha, precisamos de uma prosa.
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Os mistérios de Alice
Short StoryAlice é uma jovem de 17 anos que mora bem no começo da floresta com seus pais e seu cachorro, não tem uma vida agitada e ela gosta disso, ama tudo relacionado à arte. Sua vida muda quando conhece Naomi, que tem sua idade também, uma história sáfica...