Prólogo

69 8 2
                                    

Cuiabá, Império do Brasil
Março de 1865

No dia que meu pai cometeu suicídio, ele parecia feliz.

Ele passou o dia em seu escritório, envolto por montanhas de papéis e deveres. Com o cair da noite, me aproximei para anunciar que o jantar estava pronto. Ele assentiu brevemente e me convidou para uma partida de xadrez. Aceitei o convite e me acomodei na confortável poltrona em frente à lareira crepitante, cuja luz dourada banhava o tabuleiro de madeira, delineando as casas pretas e brancas.

Eu amava jogar xadrez com meu pai.

Enquanto ele me ensinava estratégias para derrotar adversários no jogo, mergulhávamos em conversas sobre ciência, filosofia, livros e suas fascinantes viagens durante seus dias de juventude, quando estudou em um internato na Europa.

Era como se o turbilhão da Guerra da Tríplice Aliança com o Paraguai, iniciada há apenas três meses, desaparecesse por um momento.

Nossas partidas de xadrez frequentemente se estendiam tanto que, quando íamos jantar, deparávamos com a comida já fria e minha mãe exibindo uma carranca no rosto.

— Não é justo. Você vai vencer — As palavras escaparam dos meus lábios num misto de desânimo e admiração. Meu rei encontrava-se em uma posição desfavorável. Era evidente que, mais uma vez, meu pai sairia vitorioso, como sempre acontecia. — Nunca consigo ganhar.

Afundei na poltrona, incapaz de esconder meu desânimo. Jogar com meu pai era estar destinada à derrota.

Ele riu tanto que começou a lacrimejar. Cruzei os braços e o encarei. Ele se recompôs e disse:

— Se você quiser me vencer, precisa entender que o jogo ainda não acabou. Você ainda pode ganhar. Não desista, Miranda!

Fixei o olhar no tabuleiro, desanimada pelas peças que restaram para mim: peões e o rei.

— É impossível ganhar quando só tenho peões. — murmurei, com um suspiro de frustração. Eu me sentia incapaz de encontrar uma brecha para vencer.

Ele, percebendo minha descrença, disse:

— Se ainda restar um único peão no tabuleiro, você ainda pode me vencer. O jogo ainda continua.

Revirei os olhos, afinal, essas eram as regras do xadrez. Mas reconheci a validade de suas palavras.

— Lembre-se que o peão é a peça mais mágica de todas as peças — ele continuou. — Pode parecer sem importância quando comparado a uma torre, bispo ou cavalo, mas não é o caso. O peão é uma peça versátil, capaz de grandes feitos. Você só precisa encontrar a maneira certa de avançar com ele, um passo de cada vez.

Suas palavras ecoaram dentro de mim, reacendendo a chama da minha determinação. Percebi um brilho em seus olhos. Um brilho que eu não via há muito tempo. Seu olhar se fixou na cornija da lareira, onde seu fuzil de percussão estava pendurado. O corpo do fuzil era forjado em um metal resistente. Arabescos habilmente entrelaçados adornavam o cano longo da arma.

— Ainda estamos falando do jogo de xadrez? — questionei, meus olhos fixos na arma.

Cada detalhe dela era familiar para mim. Meus dedos conheciam cada centímetro. O fuzil representava um segredo compartilhado entre meu pai, meu irmão gêmeo e eu. Era meu pai e meu irmão quem me ensinavam a caçar e me defender com aquela arma, enquanto minha mãe acreditava que eu passava meu tempo bordando e recitando poemas e solilóquios. Naqueles tempos turbulentos, saber me defender era mais importante do que dominar estrofes de poemas.

— Claro. Do que mais estaríamos falando?

Estalei a língua quando notei na madeira da coronha, esculpida entre os detalhes refinados, palavras em latim, escritas com a caligrafia elegante e precisa do meu pai.

O Canto do YporáOnde histórias criam vida. Descubra agora