Capítulo 5

20 4 0
                                    

— Espere! — Ela me interrompeu abruptamente. — Pensei que o noivado tivesse sido cancelado... — Notei um lampejo intenso em seus olhos, um brilho que me pegou de surpresa. — Eu sabia que Francisco terminaria o noivado com você, mas preferi não estar presente quando ele fizesse isso. — Lágrimas começaram a encher os olhos dela. — Eu estava tão furiosa... e triste por ele se casar com aquela garota da família Carvalho... — Seus lábios tremiam de raiva. — Amélia Carvalho.

— É verdade que meu noivado com Francisco foi desfeito. — O rosto de minha irmã contorceu-se em desgosto. — Mas não se preocupe, eu me casarei com o Coronel em um ano.

— Não! Não! Não! — Ela repetia sem parar. — Isso não pode ser verdade...

— Eu ainda me casarei com um homem da família Ribeiro — falei com o tom calmo e contido. — Você não precisa se preocupar, Mariana. No final das contas, não importa quem seja... — Qualquer um dos dois diria, após o casamento, que eu sofria de histeria feminina e me trancafiaria num asilo para alienados.

Que Deus ajude Amélia Carvalho a não ter esse destino!

— Eu não entendo... — Lágrimas deslizaram pelas bochechas rosadas, tingidas com um toque de rouge, da minha irmã.

Foi quando notei que a reação dela era de um coração partido. Assim como o mãe-da-lua que cantava durante as noites, enchendo o ar com um canto de dor e solidão que entristecia os seres das matas que o ouviam. A percepção me atingiu como um soco no estômago quando eu disse:

— Francisco... ele é o seu amor platônico.

Seus olhos, vermelhos e arregalados, refletiam o choque. Um soluço escapou de seus lábios enquanto ela desabava no chão. No entanto, eu mantive distância. Sentia-me traída. Como ela se apaixonou por Francisco? O filho do homem responsável pela ruína de nosso pai. Da nossa família. Um homem que me odiava e me tratava com crueldade. Francisco podia ser belo, mas sua personalidade era tão repugnante quanto a do Coronel.

Não havia nada para admirar nele.

— Você perdeu o juízo. — murmurei, incrédula. — Enlouqueceu.

— Irmã... — ela suplicou, a voz trêmula.

— Não...

Quando éramos crianças, Mariana me admirava como uma irmã mais nova admira a irmã mais velha. Mas a admiração ultrapassou os limites quando ela começou a competir comigo em tudo que fazíamos. Nos estudos, bordado, etiqueta e até com relação aos pretendentes. Ela desejava a atenção dos nossos pais só para ela. E ela conseguiu a atenção e admiração da minha mãe. Minha mãe me comparava com ela e dizia que eu deveria ser mais comportada e elegante como Mariana. Mais feminina. Mas meu pai gostava do jeito que eu era. Ele dizia que se algo acontecesse com ele, eu estaria preparada para enfrentar o meu destino, que eu cuidaria da nossa família. — O que você tem na cabeça? Como pode se apaixonar pelo noivo da sua irmã mais velha?

— Eu não sei. Não era a minha intenção. — Ela disse soluçando. — Só aconteceu. Não mando no meu coração. Pensei que, se você se casasse com Francisco, ele estaria sempre próximo de mim e, com o tempo, eu conseguiria superar isso. — Ela fechou o punho e o pressionou contra o peito. — Acredite, eu sei que conseguiria superar. E jamais faria algo para prejudicar o seu casamento.

Soltei um longo suspiro. Eu estava decepcionada com ela, mas não permitiria que a minha relação com minha irmã se desgastasse mais por causa do maldito Francisco Ribeiro.

A família Ribeiro já havia causado estragos suficientes na família Andrada.

— Ainda não perdoei você, Mariana. E nem sei se um dia conseguirei te perdoar. — Estendi minha mão e a auxiliei a se levantar do chão. — Mas não quero que a família Ribeiro nos separe. Somos irmãs. Somos uma família. Precisamos permanecer juntas, unidas. É o que nosso pai gostaria... e nosso irmão também. — Quebrei o acordo tácito de não mencionar nosso irmão. Mariana assentiu. — Você precisa ser forte. Até que nosso irmão volte da guerra. Quero que você esqueça Francisco. Grite com seu coração. Se preciso, arranque ele do peito. Os Ribeiros nos têm em suas mãos e não vão medir esforços para retirar tudo o que nós temos. Até nosso nome. E quando conseguirem, nos descartarão. O fim do noivado com Francisco e o casamento com o Coronel é um sinal de que eles estão interessados somente no nome Andrada.

A testa da minha irmã franziu. Seus lábios se entreabriam, mas nenhum som saía. Entreguei a cópia da procuração que nomeava o Coronel como nosso guardião. Os olhos dela se arregalaram mais que o pires em cima da minha mesa enquanto percorriam o documento.

— Papai... — As palavras pareciam prender-se na garganta dela. Ela lutava para expressar-se quando disse: — Papai jamais assinaria isso.

— Eu sei. — Soltei um suspiro exasperado. — Eles manipularam o nosso pai. Exploraram seus vícios em jogos e bebidas. Arrancaram tudo dele. Até sua dignidade. Empurraram para a beira do penhasco. Até que ele, tomado em desespero... — se matou. Não consegui dizer as palavras em voz alta.

— Desgraçados! — A minha irmã rosnou como uma onça protegendo seus filhotes. — Odeio eles. Odeio. Você tem que acreditar em mim, Miranda. Quando digo que os odeio. — Ela deixou a procuração cair no chão e segurou as minhas mãos com força. — Mas uma parte minha. Uma parte que eu me envergonho, bate por Francisco.

— Eu sei, Mariana. Mas corte essa parte do seu coração. — Soltei suas mãos finas e geladas.

— Sim. Cortarei. — Ela respondeu determinada. — O que faremos com relação à procuração?

— Só podemos fazer uma coisa... esperar pelo retorno do nosso irmão, ou melhor, eu irei atrás dele. — Eu me assustei como as palavras deslizaram pela minha língua. Como se eu estivesse falando algo comum como um bom dia. Era como se elas estivessem há muito tempo presas na minha garganta só esperando o momento certo para saírem. — Lutarei na guerra, enquanto procuro nosso irmão. Somente Luís pode revogar a procuração que presumia que todos os parentes homens maiores de idade da nossa família estavam mortos.

Eu não desejava lutar na guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai. Eu queria apenas trazer meu irmão de volta para casa, vivo. Ao contrário de Luís, que desejava lutar pelo Império do Brasil, eu não queria deixar a nossa casa, nossa terra e nossa família para lutar em uma guerra que se arrastava e parecia ter perdido o sentido.

Um conflito onde inúmeras vidas eram ceifadas sob as ordens de homens que despachavam comandos de seus aposentos confortáveis e seguros. Contudo, havia uma parte minha que compreendia o chamado de meu irmão, que partiu para a batalha com a determinação de defender nosso território, nossa terra e preservar nossos valores, costumes e tradições.

— Mas não temos certeza se nosso irmão está vivo.

— Sei que ele está vivo. Nosso irmão é forte! — Tirei a carta de Tomás do bolso da saia e a entreguei para Mariana. Quando ela terminou de ler, eu disse: — Vou para Laguna.

Mariana levantou a sobrancelhas e entreabriu a boca, cada linha do seu rosto transmitia o choque das minhas palavras, como se eu tivesse dito que os paraguaios haviam invadido novamente Cuiabá. Mas não tínhamos escolha. A sobrevivência de Luís era a sobrevivência dela, assim como a minha, de nossa família e de nossa fazenda.


Seja o grande herói da sua escritora, deixe seu comentário e voto ⭐ nos capítulos. Quando você deixa seu comentário/voto ⭐ nos capítulos, me incentiva a continuar escrevendo. Por favor, deixe sugestões nos comentários, mural ou no meu privado, elas são importantes para que eu possa aprimorar cada vez mais O canto do Yporá e transformá-lo em um livro que possamos chamar de nosso! Sua opinião é muito valiosa para mim!

O Canto do YporáOnde histórias criam vida. Descubra agora