Capítulo 10

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Província do Mato Grosso, Império do Brasil

Maio de 1867

Viajar com os irmãos era uma experiência agradável. Jerônimo era extrovertido e engraçado, sempre animando o grupo com suas histórias e piadas. Seu irmão, por sua vez, era mais reservado e observador. Depois de uma semana explorando aquela região remota e pouco habitada, estávamos exaustos.

Uma imensidão verde se estendia a frente. A mata ciliar acompanhava as águas cristalinas e sinuosas do rio Aquidauana, criando uma paisagem de tirar o fôlego. Entre as altas ribanceiras cobertas por taquaruçus, fluíam as águas frescas do rio, deslizando sobre um leito quase ininterrupto. Ao fundo, emergindo no horizonte, a imponente Serra de Maracaju desenhava seus picos, brilhando sob os raios dourados do sol.

Eu desejava ter trazido meu carvão, pinceis e papel para retratar a beleza do Pantanal. Queria eternizar sua essência em formas e cores.

Enquanto avançávamos por uma região arborizada, de clima ameno e terreno estável, com riachos límpidos para saciar nossa sede, Jerônimo e Lázaro, irmãos unidos por laços de sangue, compartilhavam um pouco de sua história marcada por perdas e promessas. Seus pais, escravos, sucumbiram à disenteria quando os irmãos ainda eram crianças, em uma cruel fazenda de café no interior da província de São Paulo. Nos momentos finais, no leito de morte, os garotos fizeram uma promessa aos pais: eles seriam livres um dia.

Quando os grandes fazendeiros da região aderiram à prática de enviar seus escravos para lutar em seu lugar na guerra, em troca de uma indenização paga pelo governo imperial, alistar-se no exército e alcançar a almejada alforria tornou-se uma maneira de honrar a memória dos pais. De cumprir o juramento feito no leito de morte deles. Era a oportunidade de serem aquilo que seus pais jamais puderam ser em vida: livres. Assim, os irmãos Jerônimo e Lázaro foram enviados para a guerra e encontraram refúgio junto a Cosme e seus tropeiros, que os acolheram em sua jornada rumo ao alistamento no exército.

"Eu não quero esse tipo de vida para vocês. Isso não é viver. Viva livre, meus filhos, ou morra tentando", estas foram as últimas palavras de seus pais, revelou Jerônimo.

As últimas palavras dos pais de Jerônimo e Lázaro fizeram eu refletir sobre o verdadeiro significado da liberdade. Para mim, ser livre era poder perseguir meus desejos e aspirações, de ter o direito de viver de acordo com minha vontade. No entanto, essa liberdade me era negada. Apesar disso, em meio à nossa falta de direitos, reconhecia que eu ainda era mais privilegiada do que eles. A injustiça, que permeava até mesmo entre aqueles com tão poucos privilégios, dilacerava meu estômago.

Entre aqueles com tão poucas oportunidades na vida, alguns desfrutavam de mais vantagens do que outros.

— Essas nuvens escuras e pesadas e as rajadas de vento não são um bom presságio — comentou Lázaro, preocupado.

Um arrepio percorreu meu corpo quando a temperatura caiu repentinamente, e senti a umidade do ar se intensificar. Meus olhos se fixaram no céu, que adquiriu um tom esverdeado inquietante. Minha mente se encheu de conhecimento adquirido nas longas horas que passava imersa na biblioteca de meu pai, devorando as páginas de livros. Eu sabia o que aquela mudança no céu significava: uma tempestade em formação.

— Precisamos encontrar abrigo! — exclamei.

Os dois rapazes assentiram em concordância, seus olhares refletindo a mesma preocupação que tomava conta de mim. A noite avançava, implacável, enquanto a tempestade ameaçava transformar as trilhas em um terreno lamacento e traiçoeiro.

Cada passo se tornava mais desafiador.

Após dias de jornada solitária, avistamos um sinal de civilização: uma coluna de fumaça se erguendo no horizonte. Era a prova de que havíamos encontrado a sede de uma fazenda. Passamos pela porteira que ostentava uma placa esculpida em madeira que dizia: Fazenda Jardim. Avançamos pelo caminho que nos conduzia à sede da propriedade, envolvidos pela penumbra da noite. As árvores, altas e imponentes, formavam uma parede natural que delimitava a estrada. Foi então que, surgindo das sombras, entre as árvores, um grupo de homens armados nos surpreendeu, como espectros emergindo do escuro.

— Quem são vocês? — Um homem de olhar feroz nos interpelou, sua voz carregada de autoridade e ameaça. — Identifiquem-se ou serão executados! — Seu olhar perscrutador se voltou para os irmãos que me acompanhavam, enquanto seu dedo trêmulo ameaçava puxar o gatilho.

Quando a luz da lua emergiu das nuvens carregadas e banhou os homens que nos ameaçavam, pude vislumbrar seus uniformes do exército brasileiro. Reconheci as vestimentas inspiradas no estilo francês, marcadas por uma jaqueta curta de um azul-escuro, calças brancas e a peculiar barretina — uma espécie de boina azul. Sobre a jaqueta, portavam coletes e cintos de couro, adornados com fivelas metálicas. As dragonas em seus ombros revelavam sua posição como soldados. Alguns deles, prevenindo-se da chuva e do vento, envolviam-se em capotes, um tipo de poncho. Os uniformes estavam em péssimo estado. Assim como a feição dos soldados. Pareciam uma tropa desolada, abatida pelo cansaço e pelas agruras da guerra.

— Espere! — Vociferei. Minha voz soou rouca e grave, parecida com a de meu irmão, o que me surpreendeu. Ergui-me com altivez, emulando a postura firme de Luís. — Sou o Tenente Luís Andrada.

— Mostre sua carta patente! — esbravejou o soldado.

O suor frio escorreu por minha testa diante da exigência. A carta patente, emitida pelo Imperador ou pelos presidentes das províncias, comprovava o posto e as responsabilidades do oficial na hierarquia militar ou civil. Era um documento importe, imprescindível para os oficiais exercerem suas funções com autoridade e reconhecimento oficial.

— Perdi a carta patente durante a viagem. — Dirigi meu olhar aos meus companheiros de jornada. — Na estrada, fui atacado por bandidos e se não fosse por esses dois jovens... — Interrompi-me, corrigindo minha fala. — Se não fosse por esses escravos, eu estaria morto. Como recompensa, eu trouxe eles para serem alistados no exército e tentarem a sorte em conseguir suas alforrias.

Sob pressão, aquela foi a única explicação que me veio à mente. Considerando a realidade de Jerônimo e Lázaro como escravos não alforriados em um Império escravocrata durante um período de guerra, eu estava ciente das diversas interpretações que poderiam surgir ao me encontrar acompanhado pelos irmãos. Assumir a identidade do meu irmão me proporcionaria um tempo precioso para encontrar uma solução e garantir a segurança de todos nós.

— Não posso permitir que um homem, acompanhado por dois escravos e sem a carta patente, adentre a propriedade — declarou ele em um tom ríspido.


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