Capítulo 18

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A traição de Tomás, um amigo de longa data, era algo difícil de aceitar. Sentia meu coração apertado e uma mistura de choque e desespero tomava conta de mim. Como era possível que alguém em quem confiávamos estivesse envolvido no encarceramento de Luís? A dor da traição de Tomás se misturava com a necessidade urgente de entender os motivos por trás das atitudes dele.

— Como diabos Tomás está envolvido na sua prisão? — A pergunta reverberou nas pedras que revestiam a cela. Meus olhos se fixaram no rosto abatido do meu irmão, esperando por sua resposta.

— A tríplice aliança atacou a fortaleza de Curupaiti em setembro do ano passado. Foi uma batalha feroz que resultou na derrota das forças aliadas. Eu e Tomás éramos inseparáveis, sempre juntos no campo de batalha. Mas, naquele caos infernal, nos perdemos um do outro. Foi aí que tudo mudou... — Ele fez uma pausa para respirar, seus punhos cerrados ao lado do corpo denotando a raiva contida. — Fui capturado, aprisionado nas garras do inimigo. E então, Tomás revelou sua verdadeira identidade. Ele é um espião a serviço do Paraguai, um traidor sem escrúpulos. Foi, aqui, no forte Humaitá que vi a verdade em seus olhos traiçoeiros. Ele nos traiu, Miranda. Traiu o Império. E os ideais pelos quais lutávamos. É difícil de acreditar que alguém que chamávamos de amigo pudesse ser tão nefasto e traiçoeiro.

— Mas por quê? Por que ele faria isso? — A pergunta saiu dos meus lábios cheia de indignação. Eu ansiava por uma explicação, por uma resposta que trouxesse a luz necessária para dissipar a escuridão que nos cegava.

— Ainda não tenho todas as respostas, mas durante os dias que passei encarcerado neste lugar maldito, ouvi conversas sussurradas entre Tomás e os oficiais paraguaios. — Ergui uma sobrancelha em espanto. A surpresa me atingindo como uma flecha certeira. Meu irmão sempre teve dificuldades com o espanhol e guarani. Mal conseguia formar uma frase coerente. Contudo, o pouco que aprendeu foi durante nossas incursões pelas matas de Cuiabá, onde caçávamos com Tomás, que afirmava ter aprimorado suas habilidades linguísticas graças à sua ascendência paraguaia. — Agora, para a minha própria surpresa, consigo entender muito bem o espanhol e o guarani. — e continuou. — Parece que ele fez algum tipo de acordo com os paraguaios, vendendo informações valiosas do exército Imperial em troca de benefícios pessoais. Tomás estava jogando dos dois lados, traindo nossa causa e colocando em risco a vida de todos nós. Antes de fugir, juro solenemente que descobrirei a verdade, Miranda, e farei Tomás pagar por suas traições. Com a vida dele.

Meus olhos fixaram-se nele, como se estivessem petrificados diante da revelação. As palavras queimavam em minha garganta, conforme minha mente mergulhava em um caos de confusão e descrença. Era como se uma neblina densa nublasse meus pensamentos. Um silêncio sufocante pairou no ar rançoso da cela. Meu irmão quebrou o silêncio quando disse:

— Sei que isso é algo inacreditável. Tomás sempre foi nosso confidente, esteve ao nosso lado depois do que aconteceu com sua família. Ele acreditou na nossa inocência, que não tínhamos nenhum envolvimento com a tragédia que caiu sob a família Lacerda. — Ele fez uma pausa, engolindo em seco, suas palavras carregadas de pesar e decepção. — Eu achava que ele seria o homem com quem você casaria, o companheiro para toda a sua vida. Mas agora, tudo se desfez...

Foi então que ele começou a tossir. E o sentimento de preocupação tomou conta de mim ao ver seus pulmões lutando contra algo invisível que parecia sufocá-lo.

— Ele nunca demonstrou nenhum interesse real por mim — sussurrei, sentindo um nó se formar em minha garganta. — Eu era apenas alvo das suas provocações.

A tosse parou, quando ele perguntou:

— E quanto ao seu noivo, Chico Diabo? — Ele soltou um longo suspiro, o peso das palavras pairando no ar enquanto ele segurava meus ombros. Seus olhos revelavam a gravidade do que estava prestes a dizer, um segredo que abalaria ainda mais o meu mundo já despedaçado. — Antes de partirmos para Curupaiti, presenciei Tomás entregando cartas aos criados encarregados de buscar correspondências para os Ribeiros. Acredito que eles sejam cúmplices de Tomás nessa traição. Existe uma aliança mútua entre eles.

O Canto do YporáOnde histórias criam vida. Descubra agora