Capítulo 6

11 3 0
                                    

— Você terá que atravessar o interior do Império enquanto uma guerra está acontecendo. Vai passar por territórios dominados por selvagens. — ela disse, verbalizando os preconceitos arraigados na aristocracia. Sempre me questionei se rotular o desconhecido como selvagem era certo. Às vezes, aqueles que eram chamados de selvagens eram, na verdade, mais civilizados do que os autoproclamados civilizados. — E ainda por cima, sendo mulher... você não tem chance de sobreviver.

— Ah, não sabia que você se importava tanto comigo. Mas não se preocupe. Assim como os gatos, eu tenho sete vidas. — Deixei escapar uma risada amarga. Assim como Tomás, eu tinha o hábito de fazer piadas nos momentos mais inapropriados. Era uma forma de amenizar a situação, mesmo que por um momento.

— É claro que me importo. — Ela me surpreendeu com um abraço reconfortante. — Afinal, somos irmãs. — Quando ela sussurrou em meu ouvido, meu coração disparou. Nunca ela havia sido tão afetuosa comigo.

Esse gesto pequeno, porém, significativo, encheu meu coração de uma felicidade indescritível.

— Preciso fazer isso, por você, por nossa mãe e nosso irmãozinho. Serei cuidadosa, prometo, Mariana. — Cresci explorando as planícies alagadas com Luís. Conhecia os caminhos da mata como a palma da minha mão.

Mas eu era uma garota, e garotas não viajam sozinhas. Garotas não iam para a guerra.

— Nossa mãe não vai deixar você fazer isso.

Mesmo minha mãe sendo distante e fria, ela não permitiria que a filha mais velha se envolvesse diretamente na guerra. Se minha verdadeira identidade fosse descoberta durante o conflito, minha reputação seria arruinada, assim como a de nossa família.

— Sim, eu sei disso. É por isso que preciso de você. Preciso que mantenha segredo por tempo suficiente para que ela não possa enviar ninguém atrás de mim. Preciso dessa vantagem. Além disso, peço que distraia o Coronel e Francisco pelo maior tempo que conseguir. Se eles descobrirem que fugi, farão de tudo para me capturar e... — me matar.

— Eles não fariam isso. Mesmo não sendo nobres, ainda possuem a etiqueta dos cavalheiros da alta sociedade.

— Acorde Mariana! Olha o que eles fizeram com o nosso pai. Conosco... — Peguei a procuração do chão e dei para ela. Eu reconhecia a responsabilidade que nosso pai teve na decadência da família. Quando ele não conseguiu administrar os negócios, ele buscou refúgio nos jogos de cartas e bebidas. No entanto, uma dor persistente me assombrava: ele poderia estar aqui, vivendo, lutando ao nosso lado para nos reerguermos. No entanto, esse futuro foi cruelmente tirado de nós pela família Ribeiro. — Guarde essa procuração. Quando seu coração vacilar, leia em voz alta e lembre-se de quem são nossos inimigos. Os responsáveis pela ruína do nosso pai.

Ela engoliu em seco, conforme uma tênue luz dourada esgueirava-se pela fresta da porta. Ao me afastar de Mariana, deparei-me com minha mãe parada no umbral. Sua palidez rivalizava com o brilho da lua que iluminava o quarto. Atrás dela, Ignacia segurava uma vela, com lágrimas nos olhos.

O rosto austero de minha mãe, seus olhos cinzentos, permaneciam imperturbáveis, sem revelar nenhuma emoção, conforme ela depositava um tecido grosso em minha mão.

— O que é isso? — indaguei ao sentir o toque áspero do tecido em meus braços.

— É o uniforme reserva do seu irmão. — O franzir de sua testa denotava um certo receio. — Se você deseja ir para a guerra, lutar, então precisará se passar por ele. Vocês são gêmeos. Ninguém perceberá a diferença quando estiver usando o uniforme dele.

O plano arquitetado por minha mãe era excelente. Contudo, fez-me questionar por quanto tempo ela estivera ouvindo minha conversa com Mariana. Ela parecia ter adivinhado minha pergunta ao dizer:

O Canto do YporáOnde histórias criam vida. Descubra agora