Virei o rosto na direção da voz, sentindo meu coração martelar minhas costelas, ansiando por libertar-se de sua prisão de ossos. O que eu mais temia havia acontecido. Um jovem corpulento, com traços indígenas marcantes, apontava um rifle em minha direção. Ele usava um uniforme verde bem simples, com poucas insígnias, o que indicava que era de uma patente modesta.
Ergui minhas mãos trêmulas. A vivandeira, ao meu lado, imitou meu gesto de submissão. Não havia percebido que alguns soldados brasileiros nos seguiam, feridos e apavorados. Eles também ergueram a mão. No entanto, para o meu desespero, Lázaro tentou escapar. Um grito rouco escapou de minha garganta ao testemunhar o soldado paraguaio disparar a queima-roupa contra as costas de Lázaro. Ele tombou ao chão, repetindo sem parar as palavras:
— Viva livre ou morra tentando. Eu não tenho medo da morte, estou livre!
Fixei meus olhos no jovem soldado, rosnando como um animal enraivecido. Cinco outros soldados o acompanhavam, atentos à cena que se desenrolava diante deles. No entanto, um deles se adiantou, assumindo a liderança. Ele era alto e corpulento como um touro, com uma voz autoritária disse:
— Sei que você é de patente alta — disse com um sotaque marcante o soldado conforme observava a dragona no meu uniforme. — Para o seu bem. Espero que você seja um refém valioso. Ou vai acabar igual ao seu amigo. — O semblante severo deixava claro que estava disposto a me considerar como um refém valioso. No entanto, suas palavras ganharam um tom mais sombrio ao apontar para Lázaro, caído e indefeso no chão.
— Não me subestime, soldado — minha voz soou firme e determinada. Mantive a calma, mesmo diante da situação adversa: Jerônimo estava morto e Lázaro ferido. Meus olhos encontraram os dele, transmitindo uma mensagem clara da minha determinação de manter Lázaro e Ana vivos. — Meu amigo também possui valor. Aconselho a tratá-lo com o devido respeito, se não quiser enfrentar as consequências.
— É mesmo? — O soldado avançou em direção a Lázaro com um sorriso torto no rosto. Uma cruel curiosidade brilhava nos olhos dele. Lázaro continuava repetindo sem parar: "Viva livre ou morra tentando." — Vamos ver se ele tem algum valor. Se o sangue que corre em suas veias for azul... — A cena se desenrolou numa fração de segundos, privando-me de qualquer reação. Em um piscar de olhos, o soldado puxou uma pistola de seu coldre e disparou contra a cabeça de Lázaro. Um grito sufocado escapou de minha garganta, enquanto a realidade brutal da guerra se impunha. — O sangue dele é vermelho, assim como o de todos nós. — Ele soltou uma risada histérica e maníaca que fez os pelos do meu corpo se arrepiaram.
O peso da culpa se abateu sobre mim, sufocando minhas esperanças. Prometi para Jerônimo que cuidaria de seu irmão, mas em questão de horas, falhei. Agora, capturada pelo exército guarani, afastava-me ainda mais do meu objetivo de encontrar meu irmão. Era uma sucessão de falhas, uma traição a memória de Jerônimo e a minha própria família.
— Desgraçado! — Vociferei. O ódio tão vivo e palpável quanto o ar que eu respirava consumia cada fibra do meu ser, envenenando meu sangue e turvando minha visão. Aquele homem abominável havia ceifado a vida de Lázaro, e agora, afastava-me cada vez mais do meu irmão.
— Não se preocupem. Em breve, vocês encontrarão o mesmo destino que ele teve... — ele fez uma pausa excruciante. — A menos, é claro, que tenham alguma utilidade para nós.
Os soldados exibiram um sorriso sádico no rosto, revelando-se como uma matilha faminta prestes a dilacerar suas presas indefesas. Será que eles haviam descoberto minha verdadeira identidade? Conseguiriam reconhecer que eu era uma mulher disfarçada? Era algo impensável. Eu sempre me atentei aos gestos e trejeitos de Luís, forçando minha voz a adquirir uma tonalidade masculina.
Meus olhos se voltaram para o corpo inerte de Lázaro, e minhas lembranças se entrelaçaram com as do seu irmão. Há poucas horas eles estavam vivos, suas risadas contagiantes reverberando na floresta conforme Jerônimo compartilhava suas piadas. Apesar das adversidades da vida, eles nunca perderam a determinação, a crença de que a liberdade seria conquistada.
Contudo, a crueldade do destino prevaleceu, e eles só encontraram a liberdade na morte. Mas eu não iria desistir. Por mais que a ideia, às vezes, parecesse tentadora. Eu tinha uma família que dependia de mim. Minha mãe e meus irmãos aguardavam ansiosos meu retorno ao lado de Luís. Eu estava fadada a lutar até o fim, com a mesma bravura que Lázaro e Jerônimo demonstraram. Se eles não puderam alcançar a liberdade em vida, então eu a conquistaria no nome deles.
— Sou o tenente Luís Andrada — cuspi as palavras entre os dentes. — Tenho plena convicção de que posso ser útil ao exército paraguaio.
O soldado me encarou com ceticismo.
— E que tipo de utilidade você acredita ter, tenente Luís Andrada?
— Sou um ótimo caçador e rastreador. Minhas habilidades certamente seriam valiosas para vocês.
O soldado revirou os olhos, desdenhoso.
— Nunca ouvi tamanho absurdo. Nós, guerreiros guaranis, somos os melhores caçadores e rastreadores, superiores a qualquer macaco por aí. — Meu coração disparou quando ele ergueu a arma em minha direção. Sabia que o termo macaco era usado pelos países que não faziam parte do Império do Brasil, uma alusão clara ao imperador Dom Pedro II, conhecido por sua paixão pelos primatas.
O medo da morte irrompeu dentro de mim, envolvendo-me como um véu sombrio que sufocava minhas esperanças. Tantos obstáculos superados, tantas adversidades enfrentadas, apenas para ter meu destino selado de forma tão injusta e cruel? Parecia uma ironia perversa do destino, que me conduzia ao mesmo trágico desfecho que Lázaro e Jerônimo. Mas, afinal, era assim que as guerras se desenrolavam, implacáveis em sua fúria, ceifando vidas sem fazer distinção entre merecedores e inocentes.
A morte seguia seu curso, sem piedade nem clemência.
— Eu me chamo Ana. — A vivandeira esbravejou. — Tenho certeza que vocês precisam de pessoas que saibam cuidados médicos. Eu posso ser essa pessoa.
Ela desviou para si a atenção do homem que apontava a arma para mim, e por um breve instante, um suspiro de alívio escapou dos meus lábios. O sorriso que se formou no rosto do soldado foi uma resposta direta ao olhar firme e desafiador da corajosa mulher ao meu lado.
— Ah, curandeiras são sempre bem-vindas. — Seus olhos, injetados e desvairados, perfuravam os nossos com uma intensidade assustadora. Eram olhos que refletiam a sua insanidade, opacos e impiedosos. Um arrepio percorreu minha espinha. — Sejam bem-vindos ao exército paraguaio, Ana e Tenente Luís! Esse nome... Luís Andrada não me é estranho. — Ele rodava a arma em seus dedos bronzeados. — Já ouvi esse nome antes.
— Onde você ouviu esse nome? — perguntei, meus olhos fixos na arma do soldado paraguaio. Aquela informação poderia ser uma pista para encontrar meu irmão. Se ele estivesse nas mãos dos paraguaios, talvez houvesse uma chance de resgatá-lo. Eu preferia acreditar que ele estava vivo, mesmo como prisioneiro, do que aceitar a possibilidade de sua morte. A esperança, por mais tênue que fosse, era minha aliada naquela situação.
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O Canto do Yporá
Historical Fiction🏆 Classificado no concurso do Governo Federal Carolina Maria de Jesus🏆 Após a trágica morte do pai, o Visconde de Cuiabá, Miranda Andrada é obrigada a tomar medidas drásticas para proteger a mãe e os irmãos da gananciosa família Ribeiro. Para salv...