Capítulo 14

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O fogo avançava e consumia as árvores em volta. Era difícil enxergar através da cortina de fumaça. Meus olhos lacrimejavam e meus pulmões doíam a cada respirada. Eu me sentia tonta. Asfixiada. Quando a vivandeira pareceu recobrar a consciência, uma enorme paineira-rosa caiu na frente da tropa. Pequi relinchou e se ergueu nas duas patas traseiras, quase derrubando eu e a mulher que eu achava que estava desacordada. Com agilidade surpreendente, ela se agarrou ao pescoço de Pequi.

— Lamento pelo golpe na sua cabeça — engrossei a voz e sussurrei para a vivandeira conforme Pequi se acalmou e abaixou as patas. Circundamos a árvore caída de quase dois metros de diâmetro de tronco. — Minha intenção era ajudá-la. Eu não queria que você perdesse a vida desafiando as ordens de Francisco. Ele é um homem vaidoso, incapaz de tolerar questionamentos. Ele ordenaria sua execução sem hesitar.

— Eu sei — respondeu ela, com uma voz áspera e determinada. — Mas não me importo se morrer enquanto luto pelo que acredito ser correto. Além disso, sou uma transviada, uma mulher da vida, sem família, sem nome. Ninguém sentiria a minha falta.

Uma parte obscura dentro de mim sentiu inveja pela coragem da vivandeira em lutar pelo que acreditava ser certo. A minha realidade era que minha família dependia de mim, e eu não poderia me permitir arriscar minha vida em busca daquilo que considerava correto. Quando a sobrevivência é o único objetivo, a fronteira que delimita o certo do errado se torna frágil e indistinta.

— Você não está sozinha. Estamos juntos nessa jornada — sussurrei, com a voz firme. — Sei que deseja escapar após presenciar as atrocidades cometidas contra os enfermos da tropa. Compartilho dessa vontade. Podemos ser aliados nessa jornada. Na verdade, quero escapar para encontrar meu irmão.

— Qual é o nome do seu irmão?

— Tenente Tomás Lacerda. — respondi, escondendo a verdade. Eu não podia dizer que estava procurando pelo meu irmão gêmeo que assumi o nome. Cada palavra que saía de minha boca fazia eu afundar ainda mais em um lamaçal de mentiras. Estava mentindo até para aqueles que se tornavam meus aliados, construindo uma aliança sobre alicerces instáveis e traiçoeiros.

— O nome não é estranho... — ela bateu os dedos nos lábios, pensativa. Após um silêncio prolongado, que se estendeu como uma eternidade, ela finalmente falou: — Acredito que ele esteja com a coluna de Tuiuti.

— Tuiuti?

— Tuiuti é uma região oculta nas profundezas do sudoeste do Paraguai. Sua paisagem é composta por dunas de areia fina, que dificultam cada passo. E pântanos traiçoeiros, ansiosos por devorar qualquer intruso corajoso o suficiente para se aventurar naquela região. Incontáveis almas encontraram seu fim em Tuiuti. — Ela inspirou e soltou uma respiração carregada de pesar. — E temo que ainda mais estejam destinados a perecer lá.

As palavras da vivandeira ecoaram em meus ouvidos, e um nó se formou em minha garganta. Temi por Tomás, mesmo sabendo que ele mentiu para mim, uma parte minha se preocupava com seu destino. Meu irmão brincava dizendo que eu e Tomás iríamos acabar nos casando, acabando assim com a disputa entre a família Andrada e Lacerda. E isso me irritava mais ainda, mais até do que a personalidade arrogante e despretensiosa de Tomás.

A ideia de casamento com Tomás acendia uma faísca de desconforto em mim. Nunca havia visto alguém tão bonito e, ao mesmo tempo, tão perigoso quanto Tomás, o garoto que jurou que se vingaria da minha família. Os alarmes dentro de mim soavam, alertando para me manter distante, mas minha mente e meu coração pareciam estar em uma constante batalha.

Minha família jamais permitiria que eu me casasse com alguém sem nome e posses e com o garoto que responsabilizava a minha família pela ruína da família Lacerda. No entanto, havia uma parte tola do meu coração que nutria uma admiração secreta por ele. Tomás era o melhor caçador que conheci. Cada habilidade que eu dominava em termos de caça, sobrevivência e rastreamento na mata havia sido ensinada por ele, meu pai e meu irmão.

O Canto do YporáOnde histórias criam vida. Descubra agora