Capítulo 12

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Pisquei várias vezes, numa tentativa desesperada de despertar daquela realidade. Era como se estivesse presa em um pesadelo do qual não conseguia escapar. Cada vez que eu piscava, esperava que o mundo ao meu redor se transformasse em algo mais familiar, em algo que não me causasse tanto tormento. No entanto, a cruel realidade persistia, e eu me via presa na teia do meu pior pesadelo.

— Você não vai me denunciar — eu disse. Minhas mãos se cerraram com tanta força que as unhas cravaram na minha carne. Era como se eu tentasse sufocar a ira que fervilhava em meu interior com a dor. — Você depende de mim. Precisa do meu nome.

— Você tem razão, Miranda. — Ele jogou a cabeça para trás e passou as mãos em seus cabelos dourados. Seu uniforme estava imaculado, alinhado com perfeição. As dragonas reluziam, indicando seu posto de tenente, assim como o de meu irmão e Tomás. Seu rosto irradiava uma vitalidade que destoava dos soldados famintos e doentes. Francisco era um recém-chegado àquela fazenda, um intruso no caos e na desolação. — Vou continuar sendo a sua babá por mais um tempo, Tenente Luís Andrada — disse ele com um tom de voz carregado de deboche. — Os selvagens estão em nosso encalço. Se sobrevivermos a isso, pode ter certeza que este seu ato de rebeldia não passará impune.

Acreditei nas palavras dele. O Coronel Joaquim Ribeiro não era conhecido por sua gentileza ou compaixão, muito pelo contrário. Sua reputação de tratar seus criados, trabalhadores e escravos com mão de ferro precedia-o.

Nunca confie em alguém que trate mal pessoas que te servem. Sejam elas: criados, trabalhadores ou escravos.

Um arrepio percorreu minha espinha quando mordi meus lábios, tentando conter a torrente de emoções que ameaçava me dominar. Uma nuvem de desespero enuviava meus pensamentos.

Pense pense pense pense.

Contrário as minhas expectativas, as lembranças dos momentos alegres ao lado do meu pai vieram à tona. Eu me vi transportada para as partidas de xadrez que costumávamos jogar, onde ele habilmente me distraía com suas cativantes histórias da época que estudou na Europa. Sua voz ressoava em minha mente, enquanto nossas peças se moviam pelo tabuleiro. Ele costumava me ensinar que uma das estratégias para derrotar um oponente era justamente distraí-lo, desviando sua atenção do verdadeiro objetivo. Inspirada no ensinamento do meu pai, um plano ousado começava a se formar em minha mente: se eu conseguisse aproveitar o caos da guerra como uma distração, talvez houvesse uma chance de escapar. Os sons dos disparos, os gritos de ordens e a confusão generalizada seriam minha cortina de fumaça.

Rumores insinuavam que Francisco Ribeiro carecia do talento militar que sua posição privilegiada tentava encobrir. Custava caro ao Coronel mantê-lo longe das linhas de combate, mas agora eu encarava Francisco, enviado sob pressão do Coronel, para me aprisionar.

Guia Lopes deve ser o verdadeiro líder da coluna.

Quando Francisco deparar-se com a realidade dura e crua da guerra, sua falta de habilidade seria evidente, e eu aproveitaria essa oportunidade para escapar. Eu também não conhecia a realidade da guerra. Mas eu tinha que acreditar que eu me manteria fria e calculista e tomaria as decisões certas mesmo nas situações mais adversas. Cada decisão tomada poderia determinar o destino de minha fuga, e eu estava disposta a enfrentar qualquer obstáculo em busca de minha liberdade.

A ideia de ser capturada pelo exército brasileiro como desertora era suficiente para envolver meu coração em um turbilhão de terror. No entanto, se meu medo se tornasse real, não hesitaria em revelar minha verdadeira identidade para proteger meu irmão. A Justiça Militar Brasileira previa a morte por fuzilamento ou na forca para os desertores, mas nenhuma sentença poderia ser executada sem a palavra final do Imperador.

O Canto do YporáOnde histórias criam vida. Descubra agora