Capítulo 27

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— Obrigada por me dizer isso. Não sentirei nem um pingo de remorso quando puxar o gatilho. — Minhas palavras foram pronunciadas com uma mistura de determinação e frieza Eu sabia que a existência de Luís era uma ameaça pairando sobre o coronel, uma espada afiada de Dâmocles pronta para cair a qualquer momento. Mas fui ingênua em não prever que o coronel tomaria medidas para se livrar do meu irmão.

Tomás continuava esparramado na poltrona. Com passos largos, diminui a nossa distância até estarmos frente a frente. Engatilhei a pistola e pressionei o cano gelado da arma contra a testa dele. No entanto, em vez de temer, ele riu. Riu como se eu tivesse compartilhado alguma piada absurda e inaudível. O riso só aumentou a raiva borbulhante dentro de mim.

Meu dedo circundou o gatilho. Mas eu não conseguia puxar.

— Não. Você não vai não. Nunca vi você errar um tiro. Se quisesse me matar, eu já estaria morto e não com o braço machucado. Você hesita, Miranda, porque sabe que há mais na história do que os fatos superficiais revelam. Eu não sou o verdadeiro culpado. Eu não desejei a morte de Luís e tampouco desejei que você estivesse envolvida nesta maldita guerra.

— Não importa o que você queria. Meu irmão está morto, eu estou aqui e a culpa é sua. Você mesmo admitiu que o coronel pagou você para matar o meu irmão. E você o matou da forma mais covarde e cruel possível.

Um silêncio pesado pairou no ar, carregado com o peso da acusação. Tomás não desviou o olhar nem por um instante.

— Sei que minhas palavras podem parecer vazias agora, mas se pudesse voltar no tempo, teria dado minha própria vida para proteger a dele.

Tentei mais uma vez puxar o gatilho e falhei. O peso da vingança parecia esmagar meus dedos, fazendo a arma tremer em minhas mãos. As memórias compartilhadas com Tomás invadiram minha mente como uma enxurrada, relembrando os momentos de cumplicidade e confiança que já existiram entre nós. Era como se o passado insistisse em me prender, impedindo-me de me vingar.

Uma mistura de raiva, tristeza e desespero me consumiu, pois eu sabia que nunca conseguiria puxar o gatilho. Girei nos calcanhares e comecei a me afastar, dando passos lentos em direção à porta. Tirei a carta que provava que Tomás era um espião da minha farda. Com o coração pulsando no peito, estendi a carta diante de seus olhos, expondo suas conspirações.

— Com essa carta em minhas mãos, a sentença que aguarda você no cepo-uruguaiana é mais do que merecida. Atirar em você seria rápido, simples demais para pagar por seus crimes. Não, Tomás, eu desejo algo muito maior do que isso. Quero ver você sofrer. Quero ouvir seus gritos de agonia. Anseio que cada segundo de dor que você experimentar seja um tributo à dor que meu irmão sofreu pelas suas mãos.

Quando me preparei para abrir a porta e sair, uma risada abafada reverberou no gabinete.

— Humaitá está sitiada por todos os lados: por terra e por água. O fracasso desse forte, combinado com a ruptura do bloqueio fluvial pela esquadra imperial, avançando pelo rio Paraguai, e o assalto inicial a Assunção, forçaram Solano López a recuar para San Fernando, ao norte, às margens do rio Tebicuari. Solano e seus generais partiam assim que você deixou a sala de reuniões. Prometi para meu avô que iria logo em seguida. Mas menti. Vou ficar e lutar. — e concluiu. — Fomos abandonados à própria sorte.

Pisquei várias vezes em busca de compreensão. Aquilo parecia irreal, como se estivesse vivendo em um pesadelo distorcido.

— Os aliados estão prestes a tomar Humaitá... é a sua oportunidade de fugir, Miranda. Quero que você escape.

Um aperto insuportável comprimia meu peito, sufocando-me. Era como se o ódio, que uma vez rugia dentro de mim, estivesse se dissipando, como uma névoa que se desfaz ao primeiro raio de sol. Porém, mesmo que grande parte do meu coração fosse consumido por ódio e vingança, uma parte dele, um pedaço que eu gostaria de arrancar do peito e jogar fora, ainda se importava com Tomás.

O Canto do YporáOnde histórias criam vida. Descubra agora