Capítulo 13

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Os soldados se lançaram imediatamente à tarefa, como se fosse uma instrução comum. Com movimentos coordenados e precisos, eles assumiram o comando das carroças dos enfermos, conduzindo-as para dentro dos confins sombrios da mata.

— Enlouqueceram? O que diabos vocês pensam que estão fazendo? — Uma voz feminina irrompeu no ar, ecoando com fúria e incredulidade. A mulher trajava uma saia longa e esvoaçante, combinada com uma blusa de manga comprida e um avental amarrado em sua cintura. Reconheci-a como uma vivandeira pela faixa colorida envolvendo seu braço. Seus olhos flamejavam com determinação enquanto ela enfrentava os soldados. — Não podem simplesmente obedecer a uma ordem absurda que o coronel deu em um momento de desespero! Não podem abandonar os doentes acometidos pela cólera na escuridão impiedosa da mata!

Ela era a única voz dissonante entre os 800 homens e mulheres que marchavam. A única que desafiava a ordem do falecido Coronel. Meus olhos vasculharam os rostos dos soldados em busca de algum sinal de consciência moral, mas parecia que tal faísca tinha se dissipado junto com a própria humanidade deles.

Os enfermos eram descartados na mata como um objeto inútil, abandonados pelos companheiros que haviam enfrentado perigos juntos, muitos deles amigos de longa data. Ali, no bosque conhecido como Cambaracê (ou "negro que chora", na língua guarani), os doentes eram deixados com apenas um pouco d'água e cartazes que suplicavam por compaixão. Aquele caos era o resultado das ações de governantes impulsivos e egocêntricos, isolados em seus palácios confortáveis, alheios às consequências brutais que seus atos poderiam infligir na vida das pessoas comuns.

Eu também me calei.

E isso foi ainda mais assustador. Era como se uma parte minha tivesse sido tragada por um abismo, um vazio que engolia minha humanidade. Meu objetivo era encontrar Luís e salvar minha mãe e irmãos, mas eu sabia que não traria meu irmão para casa sem pagar um preço. O preço a ser pago era a renúncia de uma parte da minha própria alma, um sacrifício que eu estava disposta a fazer, não importando o quão alto fosse o custo.

Com uma postura rígida e decidida, Francisco se mantinha firme, não permitindo que ninguém incitasse um levante contrário às suas ordens ou manchasse sua imagem de líder justo e correto. Diante dos gritos estridentes da vivandeira, os olhos do tenente denotavam uma determinação férrea em controlar a situação a qualquer custo. Nenhum desvio de conduta seria tolerado em sua presença, e ele usaria sua autoridade para manter a ordem. Quando Francisco fulminou a vivandeira com um olhar furioso e seus lábios se entreabriram para dar ordens, eu gritei:

— Alguém a cale!

Cumprindo minha ordem, um soldado avançou até a mulher e desferiu uma coronhada em sua têmpora. A mulher de constituição frágil desabou no chão, vulnerável e inerte. Ordenei que outro soldado a colocasse em Pequi, minha leal companheira de jornada. Afastei-me da trilha para o soldado posicionar a vivandeira na minha égua. Os soldados que me escoltavam me acompanhavam como lobos famintos cercando sua presa. Assim que a jovem desacordada foi posicionada à minha frente, retornei à minha posição original, ao lado de Francisco. Ele olhava com desdém para a vivandeira desmaiada.

— Um dia, sua bondade excessiva será sua ruína — proclamou Francisco, com ares de superioridade, como se tivesse desvendado um grande segredo.

Porém, não aceitaria mais me calar diante de suas palavras venenosas. Estava exausta de permanecer em silêncio, de sufocar as palavras que ansiavam por escapar de minha alma. Era chegada a hora de expressar o que eu desejava dizer.

— Não sou eu quem é bondosa demais, é você quem é muito ruim. Você vai pagar muito caro pelo que está fazendo com a minha família e comigo, seu desgraçado — retruquei, lançando-lhe uma resposta corajosa e inesperada.

Para minha surpresa, minhas palavras pareceram se transformar em gelo nos lábios de Francisco. Senti uma gratidão profunda pelo poder que elas haviam exercido ao calá-lo. Homens covardes como ele não estavam acostumados a serem contrariados, muito menos a terem seu caráter exposto.

O conflito escalonou assim como a minha conversa momentos antes com Francisco.

A noite se prolongou sem fim, mergulhando-nos em um turbilhão de tensão. Os soldados paraguaios se aproximavam cada vez mais, seus disparos rasgavam o ar como trovões em uma tempestade furiosa. Seus gritos ferozes se misturavam ao som dos disparos, um clamor sedento por sangue. Enquanto isso, Guia Lopes bradava ordens de fuga, sua voz ecoando acima do som do gado berrando e das explosões da pólvora. A fumaça se espalhava como um véu denso, envolvendo tudo em seu manto cinzento, ocultando a visão e intensificando a sensação de perigo.

Eu sabia que sob aquele manto cinzento se escondia a morte.

As sombras se alastravam como se tivessem encontrado sua morada em cada homem e mulher que ali estavam, expondo o pior que a humanidade poderia oferecer.


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