Capítulo 32

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Fui despertada pelo canto suave dos pássaros, mas meu despertar foi imerso em uma sensação de desamparo. Encontrei-me solitária em uma tenda. Apenas com o eco de meu coração acelerado ressoando em meu peito. A ansiedade tomava conta de mim, envolvendo-me com perguntas que precisavam de respostas: O que teria acontecido com Tomás? E Ana? E Miguel?

A ânsia por respostas levou-me a tentar erguer-me, mas fui subjugada pela dor aguda que percorreu meu corpo. Parecia que meus ossos, frágeis como cristal, estavam à beira de se quebrar. Quando tentei me mover mais uma vez, Miguel entrou na tenda. E para o meu alívio, ele tinha um sorriso no rosto.

— Desconhecia que traidores como eu recebessem tamanha cortesia — proferi, deixando escapar a amargura em minhas palavras. Era essa a minha identidade agora, uma criminosa, alguém que havia ousado desafiar a ordem ao atirar em um dos coronéis do Imperador.

— Você não é uma traidora. Você é uma heroína que desempenhou um papel crucial na captura de um criminoso. Com as provas fornecidas por você e Tomás, as cartas e seus testemunhos, o Coronel enfrentará julgamento no Império. — Encarei-o com perplexidade estampada no rosto. — Sou paraguaio, mas trabalhava para os aliados. Fui mandando para infiltrar-me no centro de comando de Solano López e descobrir quais oficiais e civis da aliança colaboravam secretamente com o Mariscal. O Coronel Ribeiro estava envolvido em múltiplos crimes, incluindo o abominável tráfico de escravos.

"Após a aprovação do Bill Aberdeen Act pelo parlamento britânico, a prática do tráfico de escravos no Oceano Atlântico foi proibida. No entanto, diversos navios negreiros associados ao coronel foram interceptados em águas britânicas, causando um grave desgaste nas relações entre o Império do Brasil e a Coroa britânica. Mas há algo ainda mais grave: o Coronel traiu o Império. Ele se aliou aos guaranis em troca das terras da região noroeste da província do Mato Grosso, fornecendo informações estratégicas sobre os fortes locais. Foi essa traição que possibilitou ao exército paraguaio conquistar a região com facilidade."

Um suspiro aliviado escapou dos meus lábios ao saber que o coronel responderia por seus crimes. A revelação de seu envolvimento no tráfico de escravos não me surpreendeu. Joaquim Ribeiro e seu filho encarnavam a crueldade, a maldade e a sádica indiferença pelo sofrimento alheio. A persistência dessa prática repugnante, de considerar seres humanos como meros objetos descartáveis, era abominável, como se a empatia fosse medida pela pigmentação da pele.

— Tomás? — A minha voz não passou de um sussurro. A pergunta pairou no ar, carregada de angústia. Tomás arriscou tudo, se aliou aos paraguaios, para proteger meu irmão e a mim. Senti a bile subir pela garganta com o mero pensamento dele ser considerado traidor.

Ele será executado como traidor da coroa.

— Ele passou por uma cirurgia e agora descansa na tenda ao lado. Ana está cuidando dele.

— E ele vai sobreviver?

— Sim. Ele vai sobreviver.

As palavras foram como um bálsamo para minha alma aflita. Um suspiro aliviado escapou dos meus lábios, enchendo-me de gratidão por saber que Tomás estava seguro e Ana cuidava dele.

— Mas o que vai acontecer com ele? — Minha voz trêmula revelava a preocupação que me consumia. Tomás havia comandado o exército paraguaio por meses. Conhecia os segredos mais obscuros de Solano López.

Miguel arrastou uma cadeira e a posicionou em frente à minha cama, sentando-se com uma expressão séria. Suas mãos se entrelaçaram e com um suspiro pesado, ele começou a falar:

— Ele se tornará um aliado poderoso para expor os crimes e os métodos de Solano López. Sua experiência no círculo íntimo do El supremo será inestimável na busca pela verdade. A guerra chegou ao fim, Miranda. O regime de Solano convulsiona. Tomás será valioso na caçada que faremos.

O Canto do YporáOnde histórias criam vida. Descubra agora