Capítulo 22

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Acordei com os primeiros raios de sol invadindo o quarto. Logo Miguel viria me buscar para treinar com os soldados paraguaios e de tarde eu iria auxiliar Juana e Ana no hospital. Meu irmão dormia a maior parte do dia e a cada dia ele parecia melhorar um pouco. Tomás cumpriu a promessa quando nos proporcionou um quarto limpo e arejado. E um médico atencioso que fazia visitas semanais para monitorar o estado de meu irmão e administrar-lhe remédios. A tosse ainda era persistente, mas enfraquecia a cada dia. E, à medida que a tosse se dissipava, meus sentimentos por Tomás também desvaneciam.

Agora eu o via por quem ele era.

Tomás, o homem que um dia acreditei conhecer, revelou-se um mestre na arte da dissimulação, um habilidoso tecelão de mentiras que tramava suas traições em segredo.

Agora, ele não passava de um mero instrumento em meus planos de escapar com meu irmão, um peão descartável a ser manipulado em prol do meu objetivo.

Vesti o uniforme cor de creme que Miguel me entregou. Ele era feito de um tecido rústico que arranhava a minha pele. Mas a protegia dos raios de sol implacáveis do Paraguai nas manhãs que eu passava treinando com os soldados no pátio do forte.

De tarde, ao atravessar a soleira do hospital, o odor pungente de sangue impregnou minhas narinas. As janelas altas e estreitas permitiam a entrada de feixes de luz, que atravessavam o ar que parecia rarefeito. No fundo do pavimento, entre as camas de madeira desgastada, cobertas com lençóis coloridos, avistei Juana.

— Que alívio vê-lo aqui, Miranda — exclamou Ana com um misto de gratidão e preocupação. — Hoje tem sido uma verdadeira tormenta. Muitos se feriram nas batalhas.

Arregacei as mangas do uniforme até os cotovelos. Depois de três meses, eu conhecia os procedimentos de cor e salteado, dispensando a necessidade de ordens para agir. Busquei um recipiente com água, ataduras improvisadas e uma garrafa de cachaça, adentrando o interior do pavilhão.

Ali, nos recônditos do hospital, eu exercia meu papel de alívio e esperança para aqueles que precisavam de cuidados. Os ferimentos mais comuns eram os causados por armas de fogo e as feridas causadas por objetos cortantes, como facas e espadas. Nesses casos, eu limpava os ferimentos com água e sabão ou vinagre e, em seguida, fazia curativos com ataduras improvisadas.

— Que bom que você aprende rápido! — Juana sorriu para mim. — Tentei treinar outros soldados, mas a maioria desmaiava ou levava tempo demais para pegar o jeito.

— A minha dedicação é um agradecimento pela audiência que você conseguiu com o comandante. — A confiança que Juana depositou em mim desde que nos conhecemos me motivava a ser ainda mais comprometida. Era como se Juana tivesse me dado asas para voar e eu estava determinada a alçar voo e mostrar que eu era digna dessa confiança.

— Desconfio que, mesmo se eu tivesse dito que você não era confiável, ele ainda teria te convocado — confidenciou Juana com um olhar perspicaz.

— O que você quer dizer com isso?

Enquanto ela realizava um torniquete em um soldado que sangrava sem parar, Juana lançou-me um rápido piscar de olhos, como se estivesse compartilhando um segredo silencioso entre nós.

— Vamos, Miranda! Chega de conversa. Me ajude a imobilizá-lo.

Firmei o tronco do garoto agonizante sobre a maca, seus gemidos de dor ecoando no ambiente. Meus olhos fixaram-se no braço direito, que jorrava sangue em uma violenta torrente. As balas haviam trespassado sua carne, deixando tecidos rasgados e ossos despedaçados em seu caminho. Ele precisava de remoção cirúrgica do membro afetado.

— Preciso voltar para a batalha. Meu irmão continua lá — ele balbuciava palavras desesperadas, sua expressão refletia o pânico, os olhos tomados pela histeria. — Quando poderei voltar?

O Canto do YporáOnde histórias criam vida. Descubra agora