Capítulo 20

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Não era necessário dizer que eu era Miranda. Tomás também não precisava ver o corte em minha mão. Ele sabia perfeitamente quem eu era. Erguendo-se de sua cadeira, ele contornou a mesa com passos firmes até parar diante de mim. Seu uniforme militar de um azul-escuro profundo exibia botões dourados reluzentes e uma estrela de seis pontas também dourada. A jaqueta, com corte impecável, combinava-se com as calças amplas e as botas de couro que alcançavam os joelhos. Um cinto de couro adornado com uma fivela dourada sustentava uma espada em sua cintura. Era evidente que o propósito daquele uniforme era conferir-lhe uma aparência imponente e ressaltar sua posição de autoridade. Tomás percebeu que eu tentava decifrar o que estava escrito na insígnia de seu uniforme e disse:

— O lema "Paz e Trabalho" está escrito em latim. Mas você já sabe. Sempre soube mais idiomas estrangeiros do que eu. — Ele me encarava com aqueles olhos tempestuosos, selvagens, olhos de guerra. Mas suas palavras não correspondiam à realidade. Sempre fora ele quem possuía um talento natural para línguas. Ele aprendia com facilidade os idiomas que eu lhe ensinava. Era o nosso jogo secreto, falarmos em línguas desconhecidas pelos demais. Eu aprendia com meus preceptores ou na biblioteca do meu pai e ensinava para ele. Em troca, ele me ensinava caçar e a me orientar na mata. — A Ordem Nacional do Mérito foi criada pelo presidente Solano López para reconhecer e premiar os serviços prestados por civis e militares paraguaios durante a guerra.

— Assim como a ordem que Napoleão Bonaparte criou para recompensar os serviços de seus subordinados. — Eu já havia lido sobre o Imperador Francês na biblioteca de meu pai e estudado as campanhas de Napoleão com meus professores. — Então, os boatos que circulam sobre a obsessão de Solano López pelo Imperador Francês são verdadeiros.

Ele meneou com a cabeça.

Um silêncio cresceu entre nós, como se o peso de todas as perguntas não ditas pairasse no ar. Eu lutava para encontrar as palavras certas para iniciar aquela conversa. Por que ele havia aprisionado meu irmão? Como pôde trair o Império ao qual jurou lealdade? Seria ele um espião infiltrado? E qual a conexão obscura entre ele e os Ribeiro?

Meus olhos percorriam a sala em busca de coragem, quando meu olhar foi atraído pelo brilho do rifle de percussão que pendia na parede do gabinete. Eu conhecia o design intricado do cano da arma. Era o rifle de meu pai, que foi arrancado de mim quando fui capturada na Retirada da Laguna. Tomás o exibia como um símbolo de poder, como se fosse um troféu conquistado. A tentação de agarrá-lo e descarregar toda a minha frustração em Tomás era quase irresistível.

No entanto, algo chamou minha atenção em cima da mesa de carvalho. Era uma carta, selada com um lacre vermelho, adornada com a imagem de uma coroa em alto-relevo. Meu coração acelerou ao perceber que era uma correspondência enviada pelo próprio presidente paraguaio Solano López. A presença dessa carta sobre a mesa de Tomás não deixava dúvidas de sua influência no comando e de sua conexão direta com o líder paraguaio.

— Nos tornamos estranhos de novo? — As palavras que brotavam em meus lábios traziam consigo a carga de todos os sentimentos não expressos e perguntas não respondidas que nos haviam separado. — Por que você está agindo assim, Tomás? Tudo isso é devido ao que meu pai fez com o seu pai?

A fazenda Bom Retiro era vasta e meu pai, além de explorar as próprias terras, arrendava partes dela a colonos. O pai de Tomás era um desses locatários. Contudo, o clima implacável da província do Mato Grosso fez o senhor Lacerda perder uma safra, deixando ele em dívida com meu pai.

Em um momento em que as finanças de meu pai estavam abaladas pelas dívidas de jogo, ele não pôde estender o prazo e exigiu o pagamento. O desespero abateu-se sobre o pai de Tomás, levando-o a um ato extremo. Ele incendiou o escritório e, em meio às chamas, a mãe de Tomás pereceu tentando salvá-lo.

O Canto do YporáOnde histórias criam vida. Descubra agora