Mabel se sentia com raiva, humilhada, estressada, mas mais do que qualquer coisa, cansada.
Ela já passou por raiva, estresse e humilhações muito piores antes. Mas essa sensação de que sua mente iria se desligar completamente, era desconhecida até então.
Hibernar até a Serpente voltar. Era essa a sua vontade.
—Mas ainda tenho tantas coisas pra fazer —lamentou em quanto arrumava vários sanduíches em uma grande caixa.
Mas era melhor assim. Mabel gostava de fazer uma das partes mais importantes para o grande renascimento, ao invés de apenas torcer em quanto assistia outros trabalhando pelo bem comum.
Preferia se sentir humilhada por Obadiah, sabendo que estava fazendo isso por um mundo mais justo, do que continuar sendo oprimida por humanos medíocres e bruxos egoístas.
Ela também sentia um pouco de pena de Obadiah. O homem sucumbiu às ilusões da Congregação e traiu seu clã original. A Serpente o fez perceber o quanto errou e lhe deu uma nova chance de concertar as coisas.
Mabel desconfiava de pessoas com um ego tão grande, mas Obadiah era verdadeiramente devoto à seus objetivos. Ele deu tudo à Serpente. Até a alma de sua própria filha.
Ela sempre soube que havia algo de errado nas pessoas. Ela sempre fez o impossível para ser aceita.
Na escola, sempre fazia o dever de casa das pessoas que pediam. Na faculdade, sempre sofria os piores trotes, mesmo quando já não era caloura. No trabalho, sempre era a que mais fazia, mas nunca era reconhecida.
Mas a maior humilhação, foi a que sofreu naquele dia. Naquele tribunal.
Mabel levou a caixa com os sanduíches para fora de sua casa. Era uma casa modesta, mas bem arrumada e limpa.
Como sua mãe gostaria que fosse.
Colocou os sanduíches no porta-malas do carro. Estava pronta para partir quando sentiu uma pressão nos quadris e suas pernas falharem levemente.
Ela havia esquecido.
—Onde estou com a cabeça? —Mabel tocou a testa, mas não se culpou.
O trabalho que ela fazia era realmente desgastante.
Mabel se dirigiu de volta a seu quarto, em passos débeis, onde se dispôs a preparar uma mistura de ervas e poções em quanto sussurrava feitiços. A ação era quase automática. Era feita em uma frequência cada vez maior.
Converter energia vital em magia era um trabalho muito difícil e, supostamente, poderia causar insanidade e danificar a alma de quem realizava o ritual. Mabel não seria idiota de acreditar nisso. Era uma desculpa propagada pelos clãs de bruxos monoteístas e pagãos para que os anômalos não ficassem tão poderosos quanto eles.
O Coven Anômalo de Manhattan, onde Mabel aprendeu magia, lhe disse que os clãs antigos não eram confiáveis. Isso porque muitos acreditavam que as mortes ocorridas no século XV, tiveram um dedo deles. Em sua opinião, fazia bastante sentido, que sendo em sua maioria cristãos, os clãs monoteístas quisessem se livrar dos bruxos pagãos e anômalos, que foram as maiores vítimas na época.
Mabel gostava de ser uma bruxa anômala. A paz falsa, regada de preconceitos, entre bruxos tradicionais lhe dava asco.
Sem a Serpente, o mundo místico nunca será unido. Sempre haverá aqueles que odeiam o outro, tanto por suas escolhas, quanto por serem quem são. Uma classe sempre se colocara acima da outra, seja por nível de poder, influência ou até mesmo a condição financeira. Mesmo que fossem todos igualmente bruxos. Mabel jamais aceitaria isso.
Com a Serpente lhes direcionando, tudo mudaria.
Ela terminou sua poção, que emitia um brilho suave junto a uma fumaça vermelha. Não precisou checar, já havia decorado a fórmula dos ingredientes da poção e das palavras do feitiço.
Entrou no pequeno banheiro que havia ao lado de seu quarto. Como o restante da casa, o cômodo era igualmente simples.
A mulher colocou o frasco em cima da pia e se despiu rapidamente.
Ela já havia enjoado do cheiro adocicado-queimado da poção, mas não ousaria reclamar. Não era religiosa, mas reconhecia a magia como um milagre em sua vida.
Derramou o líquido da poção em suas costas ossudas, deixando escorrer por toda sua coluna.
Em quanto a poção carmesim escorria, lembrou de toda a sua trajetória.
As garotas populares do colégio a enganando para rir do corpo dela no uniforme de torcida.
Sua mãe enxugando suas lágrimas.
O alívio em sua coluna foi instantâneo.
Viu os veteranos derramando suco em seu trabalho da faculdade.
Sua mãe enxugando suas lágrimas.
Os flashbacks vieram em sua mente como vários golpes psíquicos.
Seu superior a humilhando por não ter feito direito um relatório que era dele.
Sua mãe enxugando suas lágrimas.
Sentiu suas costas se endireitarem em uma postura ereta e um peso sair de seus ombros finos.
O primeiro namorado a traindo.
Sua mãe enxugando suas lágrimas.
Conforme a poção foi agindo, sua mente se afogava em memórias cada vez mais dolorosas.
Seu corpo sendo atingido por um carro e caindo há alguns metros dele.
Sua mãe que não podia enxugar suas lágrimas, pois foi lançada há vários metros em um muro e o que sobrou de seu corpo estava manchado de rubro intenso.
Outra memória intensa.
Mabel desacreditada, sentada em uma cadeira de rodas, sem poder sentir as pernas.
Sua mãe pálida e imóvel dentro do caixão de madeira com uma maquiagem que mal disfarçava seus machucados.
E sua quando sua última esperança na justiça humana falhou.
Mabel estava vendo o juiz declarar o jovem rico e inconsequente como inocente.
Sua mãe não estava mais nesse mundo.
Nunca mais estaria.
Mabel queria mais do que tudo no mundo, pedir a Serpente para trazer sua mãe de volta. Porém, ela sabia que pessoas não voltam dos mortos.
Exceto Delphine. A mulher mais privilegiada do mundo místico. Tem doze servos de várias espécies para lutar por ela. Com o poder celestial e a unção dos anjos ao seu lado.
A mulher que ocupou o topo do mundo da magia, mas foi hipócrita o bastante para ficar do lado dos humanos.
Foi perversa o suficiente para usar uma fada até que morresse, dando motivo aos feéricos para fechar as fronteiras do seu mundo para sempre.
Mabel esperou a poção ser totalmente absorvida por sua pele e se vestiu.
Ela odiaria Delphine até o fim de sua vida por não ter feito nada pelo mundo místico no passado. Teria dado um futuro melhor para pessoas como Mabel.
Se já fosse instruída nas artes mágicas, talvez Mabel pudesse ter salvo sua mãe. Ela estudou o bastante para entender que um feitiço de cura simples teria feito diferença como primeiros socorros. Não era garantia, mas uma possibilidade.
Uma possibilidade que lhe foi negada.
Saiu de sua casa as pressas, trancando tudo com raiva.
Humanos podiam ser ruins, pois eles eram incompletos. Mas bruxos não tinham o direito de desprezar o sofrimento uns dos outros.
Após sair do hospital em uma cadeira de rodas, Mabel não encontrou a cura na medicina. E nem poderia pagar.
Ela descobriu sobre o mundo místico quando se interessou por magia e percebeu que tinha talento para isso.
Mas ninguém queria tentar customizar o feitiço que a faria andar novamente. Não para uma pessoa com orçamento limitado e sem nenhum outro bruxo na família. E foi rejeitada por todos os professores de magia, afinal, não tinha dinheiro o suficiente para pagar pela instrução e ninguém influente para a apadrinhá-la. Sofreu por três longos anos até descobrir um coven somente de bruxos anômalos em sua cidade.
Com sua experiência, a mulher tinha uma certeza: o equilíbrio do mundo místico não pode ficar nas mãos de uma única bruxa. Menos ainda uma bruxa apática como Delphine.
Quando uma das bruxas de seu coven lhe apresentou o Círculo da Serpente, Mabel sentiu verdade nas palavras dela.
Os discípulos da Serpente iriam comandar o mundo junto de seu grande mestre. Sendo eles vampiros, bruxos anômalos, caçadores noturnos ou feéricos.
Pela primeira vez na vida, Mabel sentiu que fazia parte de algo em conjunto. Estava incluída em um grupo, servindo a uma entidade superior que reconhecia seus talentos. Não mais sozinha e oprimida.
Ela trabalhou duro, se esforçou mais do que ninguém e estava trabalhando em uma das cidades escolhidas com um dos clãs que se rebelou contra o sistema.
Mabel se tornou, finalmente, alguém importante.
Eles teriam igualdade. Não obtiveram de forma diplomática, mas conseguiriam com esforço e sangue derramado.
Mabel estava pronta para sacrificar qualquer coisa.
Ela entrou no carro e deu partida. Rumo a um destino cheio de esperanças.______________________________________
Mais de um ano e aqui estou eu, na caruda mesmo.
Admito que meus motivos são mais uma confusão mental do que qualquer outra coisa.
Tenho mais 8 histórias em andamento que não posto por não conseguir parar de ter ideias e morro de medo de perder elas.
Eu decido me dedicar em uma coisa, aí tenho um sonho com algo muito legal e preciso escrever sobre isso pra não esquecer.Espero voltar em breve, bye.
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Cartas aos Mortos (Delphine E Os Doze Cavaleiros - Livro 1)
FantasyKarina Coast é uma adolescente imatura e comilona que vem tentando agir como um fantasma, igual aos que ela vê e tenta ignorar a vida toda, até que um conselho de uma troca de cartas com sua falecida avó faz com que descubra que seus dons vão muito...