Narrador
Dakota se sentia aprisionada. Sufocada. Ela poderia estar na escola, pintando suas telas, passando um tempo com a Alie ou treinando com as outras líderes de torcida.
Porém, a última coisa que faria seria contrariar seu pai. Um homem como ele não costuma ser tolerante. Apesar de ser sua única filha e melhor aprendiz, fazia de tudo para não abusar da sorte. Desde a morte de sua mãe, ficou impossível prever as atitudes do pai.
Se ele havia ligado ordenando que fosse para casa, foi isso o que ela fez. Sem questionar.
Percorreu o caminho da mansão escura até chegar à biblioteca. Passou a mão na última estante de livros encostada na parede.
Arrumou a postura e manteve um olhar confiante e duro. Não se permitiu revelar nada além de uma leve arrogância, não muita, na medida. O rosto de Alie lhe veio a mente quando ela suplicou por coragem para entrar e aguentar a o que quer estava por vir.
Sussurrou para que se abra em latim.
-Apertum.
A estante se moveu para o lado revelando uma porta marrom comum, mas no lugar da tranca havia uma elevação circular do tamanho de uma mão com pequenas relevos no formato de runas em volta.
Deu quatro batidas fortes na porta para que quem quer que estivesse lá dentro soubesse de sua entrada.
Com o breve aviso, colocou a palma na elevação que brilhou ao reconhecer sua magia. Ela empurrou a porta e passou por ela com um pouco de pressa.
-O senhor chamou, pai?
Era um salão de tamanho médio com uma grande mesa redonda no centro. Nessa mesa, havia uma serpente engolindo a si mesma entalhada na madeira escura com várias linhas se sobressaindo. Era bem iluminado com um lustre extravagante, apesar dos móveis antigos. Fora isso não havia muitas coisas além de um mostruário com livros, pergaminhos e alguns itens curiosos. Entre eles uma esfera brilhante que seu pai usava como luminária, o poderoso Diamante Solar. Havia o Apito dos Trols, que fazia Dakota duvidar da utilidade, pois achava se tratarem de criaturas ridículas e burras. O pior dos itens mágicos, era a Flauta de Hamelin. A adolescente nem se quer olhava para o instrumento. Ser vítima da doce melodia da flauta era a maior tortura que podia imaginar.
Havia duas pessoas na grande mesa redonda. Seu pai, o homem de cavanhaque e cabelos tão escuros quanto os dela carregando um olhar crítico e uma taça de vinho. No outro lado, uma mulher com o sobretudo de cor creme (que Dakota sempre dizia ser cafona) estava agitada com os olhos, que normalmente eram sérios, mais abertos e raivosos do que jamais viu.
-Já veio buscar por mais, Mabel? -Dakota levantou o queixo e olhou para a mulher de cima. A mulher precisava de sua magia. A garota gostava de saber que era necessária.
Não obteve resposta. Em vez disso, seu pai apontou para a cadeira ao seu lado. Depois que ela se sentou, o homem a olhou com o olhar mais zombeteiro do que o normal e falou em um tom desdenhoso.
-Veja filha, a senhorita Yankson está com vontade de conversar sobre suas histórias imaginárias hoje.
Dakota franziu as sobrancelhas escuras e perfeitamente delimitadas. Mabel, a bruxa mais deprimida e séria da cidade não viria atoa. E conhecendo seu pai, apesar das palavras e tom, ele estava se segurando para não assassinar a mulher.
Ele ficava muito bem humorado quando estava prestes a matar alguém.
-Você sabe que eu não brinco -ela disse olhando para ele com raiva.
-Certamente. Por isso, fiquei perplexo a ponto de chamar minha filha para testemunhar essa... -ela a observou esticando o sorriso arrogante para o lado. -Síncope?
-Eu não estaria aqui se não fosse sério. Obadiah, você precisa reunir o Círculo!
O homem suspirou com uma expressão de pouco caso. Tomou um gole generoso de sua taça. Precisava se acalmar antes que queimasse o corpo de Mabel até sobrar apenas cinzas. Porém, o fato de que ele precisava dela e que seus empregados não podiam limpar o salão pesou mais em sua decisão.
Dakota se sentia cada vez mais confusa com o rumo da conversa. Segurou as laterais de sua cadeira com força e mordeu a língua para não dizer nada. Mas ela era uma boa aluna, aprendia tudo o que seu pai queria que soubesse.
Mabel não era burra. Ela não desperdiçaria o tempo de seu pai. Ele era, ocasionalmente, muito teatral, mas mais do que isso, era certamente perigoso.
Não gostava de demonstrar sua confusão mental, mas o silêncio se tornou impossível.
-Reunir todo o Círculo? Mas isso... é só para casos específicos. A última vez foi para...
-Eliminar aquele coven. Mas valeu todo o aborrecimento -Obadiah disse sentindo seu humor melhorar um pouco.
Aquele fora um dia glorioso para si, todos os bruxos intrometidos eliminados de uma só vez. Ou quase. Ele ainda pensava na maldita líder, que morreu longe de seus olhos. Não pôde rir dela em seu ultimo suspiro e nem descobriu sua identidade. Era algo que atacava seu ego, levou semanas para que se sentisse plenamente satisfeito com a morte do coven.
-É ainda mais importante dessa vez -Mabel disse sem paciência para a arrogância do homem. Poderia dizer que estava sentindo tanta vontade matar quanto ele.
Dakota percebendo isso, cruzou os braços e se segurou para não revirar os olhos. Sobraria para ela impedir os dois bruxos de se matarem?
-Veja que engraçado filha...
Ela olhou para o pai demonstrando, intencionalmente, pouca curiosidade. Não poderia deixá-lo perceber que estava ansiosa para saber do que se tratava. Dakota sabia que seu poder era usado para um dos importantes planos em andamento do Círculo da Serpente, mas não fazia ideia do porque. A dúvida se saberia um pouco mais sobre esses planos, gerava uma expectativa maior do que gostaria. Até porque, deveria ser muito importante para chegar ao ponto de Mabel sugerir que os outros membros abandonem seu próprio território.
-Mabel estava dizendo que sentiu uma magia antiga e poderosa em uma casa quando entrou no condomínio mais próximo daqui... -Dakota franziu o cenho mais uma vez. Agora seu pai tinha sua total atenção e, por dentro, ela estava realmente com raiva da mania dele de fazer pausas dramáticas. -Ela diz ser a Delphine.
Com isso, Dakota sentiu seus lábios se repuxarem contra sua vontade e um riso curto e debochado escapou em quanto sua cabeça se inclinava levemente.
-Vejo que compreendeu rápido, filha -Obadiah disse acompanhando a filha em uma risada ainda mais debochada.
-Não sabia que você era engraçada Mabel -Dakota disse com um sorriso desaforado no rosto fino e voz trêmula de riso -Você sabe muito bem que meu pai e eu seriamos capazes de sentir qualquer magia ancestral assim há quilômetros. Quanto mais de baixo dos nossos narizes.
Obadiah acenou levemente com a cabeça em aprovação à fala.
-Eu sei o que eu vi.
Mabel estava ainda mais nervosa. O clã Brown-Stacy sempre teve bruxos orgulhosos demais.
-E o que você viu? Especifique -o homem pediu.
-Eu vi uma pessoa. Ela tinha uma aura tão poderosa e antiga, eu tive certeza no momento que a vi.
-Era uma mulher jovem?
Ela abriu a boca para responder, pois sabia a resposta, mas parou. De repente, ela não sabia mais.
Mabel não sabia o que aconteceu, mas não tinha como responder a pergunta. Ela sabia que tinha estado cara a cara com alguém extremamente poderoso, mas sua aparência sumiu de sua mente.
-Eu não sei. -Sua voz saiu assustada com a constatação.
Dakota riu internamente da mulher. Agora não era ela a estar confusa.
-E é por isso Dakota Mary, que não deixei que você realizasse a conversão -o homem usou o nome do meio da filha para mostrar que estava satisfeito com a reação dela.
Dakota sabia que ele gostava de testá-la em qualquer oportunidade.
No lado oposto da mesa, Mabel estava perplexa com as informações que, de repente, desapareceram de sua memória. Porém ela tinha certeza de que não estava louca. Era algo puramente mágico.
-Aí vai um pequeno teste para ativar a memória da senhorita Yankson. Diga, minha filha, quando a Delphine voltará?
Dakota não tinha dúvidas quanto a resposta. Ela já leu e releu várias vezes sobre isso. Em sua voz só havia certeza começou a recitar o primeiro livro que decorou logo que aprendeu a ler:
-Quando a grandiosa Serpente retornar de corpo e alma ao mundo dos vivos, sua antiga inimiga, Delphine, com seus Doze Cavaleiros irá se erguer para a batalha que decidirá quem governará o mundo místico.
-E onde você aprendeu isso?
-Está na primeira página do décimo capítulo do Grimório da Serpente.
-Excelente! -O homem disse levantando a taça em direção à Dakota de forma exagerada. -Nós somos discípulos da Grande Serpente. Sabemos exatamente quando Delphine retornará e que uma morte terrível a espera.
Mabel tentou ficar mais tranquila, mas não pôde.
-Delphine e os Doze foram ungidos pelos anjos. Devemos nos preparar para tudo. As profecias tem centenas de anos, a tradução legítima pode ter se perdido há anos com os textos originais...
Obadiah fechou o rosto adquirindo uma feição sombria. Apoiou as duas mãos sobre a mesa fazendo um barulho fraco, mas amedrontador.
-Então vá Mabel. Continue fazendo sua parte para converter a magia de que precisamos e pare de fazer especulações sem sentido.
Sinalizou com o dedo em frente a filha que se levantou apressada, mas escondendo o medo da aura homicida de seu pai. Parou na frente de Mabel, que estendeu a palma na direção na garota.
-Participatur -Dakota desenhou com um pingente de seta em sua pulseira, uma runa circular na mão da mulher que brilhou em amarelo e se apagou depois que ela terminou de sussurrar o feitiço.
Mabel se levantou e, sem se abalar com a raiva do homem lhe avisou.
-Seu orgulho será a sua ruina.
E ela saiu da sala sem nem olhar para trás. Nem quando a taça de vinho em cima da mesa explodiu em milhões de estilhaços com o poder de Obadiah....
Hey, Marce aqui! Acreditem, eu não estava esperando esse capítulo. Posso dizer que ele se escreveu sozinho.
Acreditam que eu comecei a gostar da Dakota só por causa desse capítulo? Ela me passa uma vibe meio desinterassada e tals.
Eu não achei justo deixar ela como uma personagem rasa, aí comecei a escrever e não consegui parar. Aí deu nisso. O primeiro capítulo focado nela. Primeiro porque já escrevi outro. É tarde pra trocar a protagonista? Kkkkkkk
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Cartas aos Mortos (Delphine E Os Doze Cavaleiros - Livro 1)
FantasyKarina Coast é uma adolescente imatura e comilona que vem tentando agir como um fantasma, igual aos que ela vê e tenta ignorar a vida toda, até que um conselho de uma troca de cartas com sua falecida avó faz com que descubra que seus dons vão muito...