Capítulo 8 - Não É O Que Parece

19 1 22
                                    


Tentei contar os passos devagar.

Respirei fundo algumas vezes.

Contei até dez muitas vezes.

Mas nada me acalmaria sabendo que as portas do teatro da escola estavam se aproximando cada vez mais.

Andei tão rápido quanto uma tartaruga e dei passos tão longos quanto os de um gafanhoto filhote. Se bem que nunca vi gafanhotos não andam, eles dão aqueles pulinhos esquisitos.

Por que eu estava fazendo isso mesmo?

Abri um sorriso cínico.

Era porque o queridinho da Muse Campbell me pediu humildemente.

Soltei um breve riso de escárnio. Eu estava sendo desonesta.

Não era isso.

Era por causa do Maxwell que guardou o meu segredo e pediu "por favor". Era pelo cara que esteve, literalmente, na minha pele e foi legal com a minha melhor amiga. Pelo cara que...

-Isso é um ataque de pânico?

Soltei um palavrão com o susto que o infeliz me deu. Não precisa nem falar, só de pensar no diabo ele aparece.

-O que você faz aqui? -Pergunte levantando o olhar para encará-lo.

-Eu vim te ver passar vergonha -Maxwell disse com uma expressão satisfeita.

-E eu sou idiota?

-Isso é você quem está dizendo -ele levantou as mãos em sinal de calma.


Estapeei minha testa.

-Você veio conferir se eu realmente viria! -Falei deixando transparecer como eu estava ofendida.

-Claro que não!

Mentiroso.

Olhei para a porta do teatro que estava praticamente ao lado dele no corredor.

-Quando eu digo que vou fazer uma coisa, eu cumpro -falei antes de passar pelas portas do teatro.

Meus olhos demoraram para conseguir focar em alguma coisa naquele monte de gente.

Eles estavam formando um círculo no enorme palco. Várias pessoas comuns da Muse Campbell. O que quer dizer maquiagem com brilho em excesso, sapatos caros e cabelos lambidos de gel.

Eu estava desconfortável, mas disfarcei com o mau humor. Eu podia sentir eles analisando lá de cima cada detalhe em mim. Eu já deveria ter me acostumado, mas era mais fácil quando eu era invisível.

E então, para melhorar, a Alie brotou de algum lugar, gritando toda a animada:

-Karina, você veio!

Santa paciência! Agora todo mundo está olhando para mim. A maioria deve estar se perguntando como a Barbie perfeitinha da Muse Campbell sabe o nome de uma pessoa que ninguém conhece.

Sorri sem graça.

-Parece que vim mesmo...


Ela sorriu mais ainda.

-Pessoal, essa é a Karina. Sejam gentis com ela! -Ela falou passando os braços sobre meus ombros, como se tivéssemos essa intimidade.

Soltei um leve riso tentando parecer simpática. Acho que ficou bem falso, mas tudo bem, ela não parece ter malícia para perceber.

-Vem, vou te mostrar o closet dos nossos figurinos primeiro! -Ainda com os braços em torno dos meus ombros, ela foi me puxando para uma entrada ao lado palco.

Ouvi o barulho das portas se abrindo e me virei na direção da Alie para espiar através dos fios loiros cheirosos. O babaca do Maxwell estava lá me olhando com um sorrisinho irritante.

Olhei para ele com minha melhor carranca e me virei para frente tentando ouvir o que a Alie me dizia.

-Sentimentos reprimidos fazem mal para as pessoas e as artes são ótimas pra que possamos expressar isso! Você vai ver como dá uma paz de espírito! -Falou fazendo gestos exagerados com a mão.

Até que faz sentido. Ela é mais esperta do que parece.

Então sussurrou no meu ouvido:

-Muita gente aqui fazia terapia, mas depois que começaram com o teatro, ficaram normais de novo. Às vezes, tudo o que precisamos é de um pouco de arte na vida. Quem precisa de psiquiatra, né?

Okay, não é esperta nada.

Apenas acenei positivamente com a cabeça para tudo o que ela dizia e tentei fazer uma cara de alguém não tão desesperada por socorro.

Fomos paradas quando topamos com um garoto. Espera. Não é "um" garoto. É "O garoto". Okay, nem estou com falta de ar né.

Ele inicialmente se assustou com a gente surgindo do nada atrás da cortina.

E então, tudo ficou em câmera lenta.

Sua pele era bronzeada em um tom de pêssego queimado que parecia que tinha sido beijada pelo sol. E os cabelos dele são castanhos escuros, mas diferente da minha raiz que tem um tom frio, os dele parecem chocolate quente escorrendo de uma fonte com esculturas de anjinhos pelados.

O maxilar marcado e com a sombra de uma barba nascendo era uma característica diferente dos garotos da minha idade, talvez ele seja um veterano.

Ele disse "Oi" para a Alie e olhou diretamente para mim de forma curiosa. A curiosidade gera interesse até onde eu sei.

Pessoas bonitas de acordo com os padrões de beleza tem aos montes aqui na Muse Campbell. Mas esse cara está muito acima. Parece um galã de novela mexicana, ele é lindo!

-Você é nova aqui? Eu sou o Marcus, vice-presidente -ele disse sorrindo com os dentes perfeitos e estendeu a mão na minha direção.

Fiquei feliz que minha mão não estava suando.

-Eu sou... sou a Karina -falei nervosa apertando sua mão.

Não sei dizer o que é mais bonito nele, a voz grossa ou o sorriso branco com covinhas.

Se minha mãe visse esse garoto, diria que eu deveria me apaixonar por ele.

Ele deu um riso simpático.

-Eu vou mostrar o lugar para ela, Marcus. Por favor, fica de olho no ensaio dos protagonistas -Alie pediu sorrindo.

Ele assentiu, sorriu para mim uma última vez e deu um último recado.

-Karina, se precisar de alguma coisa e a Alie não estiver, é só falar comigo.

Ah, mas eu vou falar. Se eu não conseguir fugir daqui, pode crer que vou te encher a paciência.

E esse cara definitivamente é um veterano, não tem como alguém da minha idade (tipo o Maxwell) ser alto daquele jeito. E ter aquela voz. E aqueles ombros largos. E...

Cartas aos Mortos (Delphine E Os Doze Cavaleiros - Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora