Capítulo 05 - O Verdadeiro Inimigo

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HALEY

Não existem muitas pessoas capazes de me enlouquecer, mas Jason Storm com certeza é uma delas. Paro em frente a loja do meu avô, já encharcada da chuva. Seu apartamento fica logo em cima. Meu peito remexe com todas as emoções que reprimi durante todos esses anos. E poucos metros me separam do pivô delas. Tomo coragem e subo o lance de escadas, com Ryan logo atrás de mim.

O apartamento é relativamente bonito, se comparado ao meu. Seus móveis, ainda em bom estado tem tons de bege e quase todos são de madeira. Meu avô vive bem, para uma pessoa da província. A maioria das pessoas mal tem o que comer. Às vezes ainda sinto saudade de como era viver aqui.

Lewis está sentado na sala, a face contorcida em preocupação. Ele tem medo de como isso vai acabar, minha aversão ao meu pai nunca foi segredo. No sofá menor, me encarando, está Jason. Os cabelos pretos salpicados com fios brancos, o queixo com uma leve divisão no meio, assim como o meu. Não sei o que eu esperava, mas com certeza não era o arrependimento que vejo em seus olhos agora. Ele está tão tenso quanto eu.

— Por que me chamou aqui? — Pergunto para Jason.
— Precisamos conversar. — Jason responde, sua voz refletindo o que seus olhos já me diziam. Meu avô olha para Ryan, sei que ele pede privacidade. Ryan também entende, e segue para o banheiro todo ensopado.
— Haley, estarei no meu quarto se precisar. — Lewis diz e também sai, nos deixando a sós. 

— Estou curiosa pra saber o que tem pra dizer que precisou esperar doze anos. — Tomo a iniciativa de novo e cruzo os braços tentando parecer firme, o barulho estranho do couro da minha jaqueta molhada estragando minha pose.
— Haley, sei que você está com raiva, eu entendo. Mas eu preciso que me ouça. — Ele diz enquanto levanta. Ponho uma mão na cintura e as palavras disparam pela minha boca.
— Não, você não entende! Eu perdi minha mãe e você não esteve comigo pra me apoiar, Jason, tem ideia de como isso foi para mim? Eu só tinha nove anos! — Mordo o lábio para conter o tremor. A culpa o atinge e me sinto um pouco melhor com isso.
— Eu fiz muitas coisas das quais eu não me orgulho, Haley. — Ele fez uma pausa enquanto olha pras mãos. — E não levá-la comigo foi a pior delas. — Ele parece estar sendo sincero, mas isso não alivia minha vontade de esganá-lo.
— E por que não levou? Por que me deixou pra trás como se eu fosse um fardo? — Uma enxurrada de lembranças ruins me vem à mente, meus olhos ardem e eu tento reprimi-las. Se eu chorar agora não sei se eu poderia continuar a confrontá-lo.
— Eu não quis você longe de mim, eu amo você, Haley! Eu jamais faria nada que a machucasse. Ficar comigo não era seguro para você. — Pisco para afastar as lágrimas e ele se aproxima.
— E ficar aqui não é seguro pra você agora. — Digo, e ele recua. Penso que ele vai embora agora, depois da minha ameaça velada, mas não poderia estar mais enganada.

 — Haley, eu sei quem matou sua mãe. —  Meus braços caem ao lado do meu corpo e minha face exibe uma expressão de confusão. Isso é algo que eu sempre me perguntei.
— Me diga quem foi. — Eu seria capaz de matar o assassino dela com minhas próprias mãos.
— As Fúrias. — Para minha surpresa é Ryan quem responde, com os cabelos ainda molhados e seu habitual conjunto moletom, dessa vez preto. E seus olhos... Meus pensamentos são interrompidos por Jason, que me conta tudo que ele sabe. Com Ryan acrescentando detalhes de vez em quando. Meu avô se aproxima para ouvir também.

O sistema que que rege a Cidade Solar e as Províncias Zodíacas, sempre foi opressor. O brilho da capital é uma fachada parar encobrir a miséria que há pelo resto de Meridia. Há pouco mais de uma década, uma revolta surgiu em meio a pobreza. Pequenos grupos independentes se formavam nas províncias maiores. Na tentativa de silenciá-los, as Fúrias, assassinas cruéis, foram enviadas para estes pontos, matando todos os que carregavam o símbolo da resistência, a esfera dourada envolta por três anéis. 

Interrompo a explicação por que o rumo que ela toma parece óbvio demais. Sei que minha mãe nunca se deslumbrou com a Cidade Solar, e nunca negou seu desprezo por ela. Pego o pingente de Solares, que depois do incidente carrego pendurado no meu pescoço. Levanto ele em direção a Ryan e Jason.

— Esse é o símbolo da resistência. Minha mãe era uma rebelde. — Ryan olha como se as peças se encaixassem para ele também. Lembro de como ele olhou quando Lewis e eu observávamos o pingente na loja. Os olhos de Jason começam a marejar quando vê o pingente. Ele volta a se sentar no sofá e sua voz soa com dificuldade:

— Não sabia que você estava com ele. — E o que você sabe sobre mim? Me preparo para atirar as palavras para ele enquanto corrijo minha postura. Ao lado de Jason, Lewis percebe minha agitação e sua expressão me diz que ele tem medo que eu diga algo que não deveria. Apesar de tudo que houve entre mim e Jason, sei que ele realmente amava Maeve. Poupo ele por enquanto e guardo as palavras para mim. Ryan continua a explicação sozinho.

Os assassinatos não cessaram a revolta, pelo contrário, ela continuou a crescer nas sombras. Mais fortes, mais espertos, os Sombrios estão por toda parte. Todos se identificam com uma tatuagem na nuca, com os números 0070. Há pequenos grupos aqui ou ali. Mas ao Norte, há uma fortaleza que reúne centenas de rebeldes, onde eles preparam a ascensão dos Sombrios.

— E é pra esse lugar que eu vou. — Jason diz se recompondo. — Haley, não pretendo errar com você de novo, e não vou tentar forçar uma relação agora, mas quero que vá comigo. — Ele se encolhe enquanto espera o que eu vou dizer. 

— Você perdeu o juízo se acha que eu vou a qualquer lugar com você! Toda essa história de rebeldes então era para isso? — Todos estão em silêncio, e pela surpresa no rosto de Lewis ele também achou que eu iria. Ryan não diz ou demonstra o que acha de tudo isso. Mas Jason cria coragem para falar:
— Eu não quero pressioná-la, Haley, mas eu partirei amanhã de manhã. — Mais um dia, considerando que o sol já esta dando as caras. Percebo que a chuva passou. Eu não me importo com tudo isso, não há nada que ele diga que me faça ir com ele, então não respondo. Olho para Lewis e digo:
— As entregas de hoje vão ter que esperar até amanhã. Não me procure em casa, porque eu não vou estar. — Encerro a conversa e deixo a casa do meu avô. Subo na moto e coloco o capacete.

 Não olho para trás. Saio sem rumo esperando que o vento leve embora todos os pensamentos que me se agitam na minha cabeça.

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