Capítulo 09 - Trilha de Sangue

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HALEY

Tenho tudo pronto para a viagem. Minha mochila tem apenas algumas roupas e comida. Não acho sensato encarar uma viagem de 300km sem nada para comer. Dalila e eu temos uma longa jornada pela frente.

Chego a casa de Lewis e os três já estão na porta da loja esperando. Ryan e Jason tem uma mochila nas costas cada. Não falo com Jason. Ryan dá o clássico aceno de cabeça. Aceno de volta. Meu avô está um pouco desanimado.
- Também vou sentir saudade. - Digo para ele enquanto o abraço.
- Não estou chorando. - Ele diz com lágrimas se formando nos olhos. - É esse vento, ok? - Não tem vento nenhum, mas finjo que concordo.

- Quero que leve isso com você. - Ele diz me entregando um livro. A Arte da Guerra, de Sun Tzu. - Acho que seria bom se fosse desse uma olhada. - Claro que ele pensaria no livro perfeito pro momento. Agradeço enquanto guardo na mochila.
- Vou sentir sua falta, Haley. - Ele diz segurando minha mão.
- Também vou sentir a sua. Espero que sua namorada seja uma boa companhia. - Ele arregala os olhos e se vira para Ryan, que tenta em vão conter um sorriso.
- Tem sorte que já está de saída. - Ele resmunga para Ryan.

Saímos cedo para ter certeza de que chegaríamos ao destino antes do meio-dia. Ryan leva Jason na própria moto (que eu não sabia da existência). Ela é uma scrambler como a minha, mas não sei dizer exatamente o modelo. Talvez eu pergunte mais tarde.

Ryan vai na frente. Ele é o único que conhece o caminho. A melhor rota nos obriga a passar em duas províncias. A Província de Marte, que é a província de Helena, e a Província de Vênus. O que é ótimo, por que vamos precisar reabastecer nosso combustível. Embora Dalila consiga fazer o trajeto com um tanque cheio, quero estar preparada para possíveis mudanças no caminho.

Passamos pela Província de Marte e o caminho a partir disso foi só ladeira abaixo. Lama, pedras e buracos por toda parte. Os buracos do tamanho de crateras me dão uma ideia do que Neil Armstrong viu na lua. Não consigo abandonar a estranha sensação de estar sendo seguida. Fazemos uma pausa para comer algo perto da estrada, logo após abastecer. Engulo rápido meu sanduíche de carne seca, querendo voltar pra estrada.

Nos preparamos para sair quando um bando de pássaros voa das árvores ao lado da estrada.
- Esperem. - Ryan diz arregalando os olhos, olhando de um lado para o outro. - Tem alguém aqui. - Ele puxa um revolver da mochila e joga para mim. Ele já tinha um no cós da calça, que ele pega e destrava. Não tenho certeza do que fazer, mas também não quero perguntar. Destravo a minha também e imito seu movimento de apontar para a floresta a procura do alvo. Alguns minutos depois desistimos da busca e voltamos à estrada. E é aí que elas aparecem.

Olho pelo retrovisor e vejo as duas figuras com mantos e encapuzadas nos seguindo. Elas estão suspensas a pelo menos meio metro do chão. Estão voando? Ryan também percebe e aumenta a velocidade. Seguimos o mais rápido que podemos e elas sempre no encalço. Poderíamos levar elas até a base, com certeza teríamos ajuda lá. Mas aí correríamos o risco de revelar sua localização. Então precisamos resolver isso logo.

Reduzo a velocidade. Ryan olha para mim sem entender. Jason está tão assustado que seus olhos parecem que vão saltar. Viro Dalila na direção contrária e elas estão indo rápido demais para conseguir virar também. Pego a arma para atirar mas percebo que posso atingir Ryan ou Jason também. Não sou fã número um de Jason mas isso não significa que o quero morto.

Porcaria. Uma das Fúrias consegue virar na minha direção antes que eu consiga pensar em algo. Faço a primeira coisa que penso e entro no meio da mata. Saio desviando das árvores sem tempo para ver se ela me segue. Eu ainda estou viva, isso deve ser um bom indicativo. Começo a entrar em pânico quando ouço o barulho de água corrente. As floresta não está mais tão escura agora, o que significa que estou perto de uma clareira, ou neste caso, de um rio. Já consigo ter uma visão da água emoldurada pela floresta agora. Tem pedrinhas cinza escuro por toda a margem, seguir por ela não é uma boa escolha, mas é a única que tenho. Me desequilibro e caio sobre as pedras. Olho para trás e para meu alívio a Fúria se foi. Ninguém mais cultua deuses, mas eu agradeceria a todos eles se pudesse lembrar seus nomes. Volto para a estrada com o joelho ardendo pelo o novo machucado.

Tem uma trilha de sangue na estrada. Droga. Droga. Droga. O que aconteceu? Se a moto continua seguindo então Ryan está vivo. Possivelmente machucado, mas vivo. E se tiver sido Jason? Estou com medo do que pode ter acontecido. Para meu alívio as primeiras casas da Província de Vênus aparecem. A trilha de sangue que antes eram gotas, aumenta significativamente. Meu medo cresce na mesma medida.

Atrás de uma curva Ryan está vindo na minha direção. Sozinho.
- Onde está Jason? - Pergunto preocupada quando ele para ao meu lado. Não queria me importar, mas me importo mesmo assim.
- Ele se machucou um pouco, mas já o deixei em um curandeiro. - Ele responde e dá a volta para ficar na direção que vamos seguir.
- O que houve com a Fúria? - Pergunto e ele olha para mim. Não consigo desviar os olhos. Seus olhos verde e castanho são de uma beleza única.
- Está jogada na estrada com pelo menos três balas no peito. Jason tem uma mira bem descente. - Ele responde e seguimos para o curandeiro.

***

Jason está sobre a cama com um corte feio na costela direita. O curandeiro, que se apresentou como Trevor, terminou de limpar e agora fecha com um curativo. O quarto é simples e pequeno, mas está muito limpo e organizado. Tem alguns remédios sobre a mesa e me pergunto como conseguiu. Provavelmente de algum contrabandista.
- Este homem tem sorte de ter sido pego tão perto. - Trevor diz para ninguém em particular enquanto limpa o sangue das mãos. - Modéstia a parte, os melhores curandeiros de Meridia estão na Província de Vênus. - Trevor continua e me pergunto se a localização da base tão perto daqui não é estratégica. Penso em Helena. Talvez seu bebê estivesse crescendo saudável agora se ela tivesse pelo menos conseguido vir até aqui.
- Vai querer que eu dê uma olhada nesse joelho também? - Trevor pergunta olhando o meu machucado. O ferimento é pequeno, mas tenho certeza de que ele fará um trabalho melhor que o meu.

Observo enquanto ele limpa meu ferimento. Trevor não deve ser muito mais velho que eu, acredito que no máximo tenha uns cinco anos a mais. Tem o cabelo preto bem aparado, e covinhas na bochecha. Sua pele negra tem um brilho bonito. Trevor é um homem bonito. Quando termina o trabalho ele nos deixa sozinhos com Jason.

Jason dorme por horas, está completamente pálido. Quando acorda está um pouco atordoado olhando para os lados, mas fica mais tranquilo quando nos vê.
- O que aconteceu? - Ele pergunta e Ryan conta a história para nós dois. Jason desmaiou logo após deixarem a Fúria para trás e Ryan teve que usar uma das mãos para segurá-lo, o que o fez demorar um pouco mais a chegar ali. Lembro da trilha de sangue aumentando. Ele repete o que Trevor nos disse, que Jason vai ficar bem mas precisará de repouso. Depois de muita insistência de Jason e da garantia de Trevor que ficaria tudo bem, resolvemos seguir para a base e voltar depois para buscá-lo. Apesar das nossas diferenças, fico feliz que Jason está vivo. Ele está de volta e eu tenho que aprender a lidar com isso.

Chegamos a base e me surpreendo com o que encontro. Um muro alto com arame cerca toda a base, que não é muito grande, mas parece segura. No portão, um homem do lado de dentro abre um pequeno espaço e olha para nós. Segundos depois o portão se abre com um barulho alto e o homem diz com um sorriso:
- Bem vindo de volta, Ryan! É muita coragem sua voltar aqui, ainda mais acompanhado.

Não faço ideia do que me espera aqui, mas essas palavras não parecem presságio de coisa boa.

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