HALEY
DOZE ANOS ANTESEncaro o teto do meu novo quarto. Minha cabeça está zonza e meus olhos estão inchados. Minha tia Elisa entra aqui pela sexta vez hoje, está preocupada. Eu não comi nada, nem quis ver ninguém, nem mesmo Simon. Ela abre as cortinas e senta ao meu lado. Finjo que ainda estou dormindo e ela vai embora.
Faz uma semana que minha mãe morreu, e eu fiquei apenas dois dias com Lewis. Minha tia insistiu para que eu ficasse com ela, até que Lewis cedeu. E aqui eu estou, tenho esse quarto enorme mas estou sozinha. As paredes são de um tom claro de bege e o chão é amadeirado claro. A cama está coberta por lençóis em tons de branco e rosa, há uma penteadeira branca com um espelho, um guarda roupas branco e uma porta que da para um banheiro. O luxo que eu nunca tive, me faz sentir que estou cada vez mais longe de casa.Essa nunca vai ser minha casa, sem minha mãe, acho que nenhum lugar jamais vai ser.
A ida de Jason só aumentou meu vazio. Por que ele fez isso comigo? Por que ele me deixou sozinha? Eu entendo Lewis, ele está cansado, e talvez eu seja um pouco cansativa. Mas Jason? Não consigo entendê-lo e nunca conseguirei perdoá-lo. Não volto a chorar, não porque não queira, mas porque meus olhos já estão secos.
Quando o horário de almoço chega, desço as escadas devagar me certificando de que Joseph não está. Não o ouço falar então eu continuo. Elisa deve está terminando o almoço, pois o perfume da comida já preenche a sala. Me dirijo a cozinha e a encontro experimentando um molho e adicionando um tipo de tempero. Acho lindo o modo como ela cuida de cada detalhe. Ela vira para pegar algo na ilha da cozinha e me vê.
— Haley! Que bom que desceu! Quer experimentar meu molho? — Concordo com a cabeça e ela me dá uma colher para experimentar. — Cuidado para não se queimar!
Ponho o molho na boca e ele está quentinho. É picante, mas na medida certa, sinto gosto de tomate e ervas que não identifico. O sabor é ótimo, e Elisa deve perceber minha satisfação porque tem um sorriso enorme no rosto.
— O que achou? Acha que precisa de mais alguma coisa?
— Está muito bom.
— Estou quase terminando, porque não se senta e espera? — Faço o que ela pede e Simon não demora a chegar com Ashley. Nós quatro comemos juntos. Ninguém comenta sobre o porquê de eu estar aqui. Talvez as coisas melhorem em algum momento.***
Mais tarde, Ashley mostra para mim e Simon coisas que aprendeu na aula de esgrima. Ela acabou de começar e está super empolgada. Conforme ela se movimenta, flashes da noite em que minha mãe morreu me vem a cabeça. Os eventos do dia são muito nebulosos para mim. Mas agora lembro das mulheres que chegaram na nossa casa.
Minha mãe me esconde no armário da cozinha e me entrega seu colar, beija minha testa e fecha as portas do meu esconderijo. Ela tenta se afastar de onde eu estou, mas pela brecha do armário eu vi. A mulher de cabelos pretos sorri enquanto enfia e gira a faca na barriga da minha mãe. Ela grita, enquanto uma poça de sangue se espalha pelo chão. Ela se arrasta e tenta sair de vista, mas a mulher puxa ela pelos cabelos com as mãos ensanguentadas e corta sua garganta. Ela cai e a única coisa que eu vejo agora são suas pernas e camisola pintadas de vermelho. Encostada na porta de braços cruzados, está uma mulher de cabelos prateados, a pele negra e um terno bem ajustado. A mulher que conversava com Joseph quando Ashley e eu o vimos.
Minhas mãos estão tremulas e não consigo fazer outra coisa que não seja chorar. Ashley para confusa a sua demonstração, e Simon corre para me ajudar. Preciso contar para Elisa. Joseph, ele tem que saber alguma coisa. E se foi ele?
***
ASHLEY
Coitadinha da Haley, não posso imaginar como seria perder alguém tão próximo. Fico com ela enquanto Simon procura por Elisa.
— Vai ficar tudo bem. — Abraço ela apertado enquanto ouço seus soluços. Encosto na cabeceira da cama de Simon e aninho ela entre minhas pernas, sua cabeça descansa sobre minha barriga. Ela treme menos agora, mas continua a chorar.Elisa entra apressada com Simon logo atrás, para minha surpresa Joseph também vem. A atmosfera que já estava pesada, agora parece que pode partir meus ossos. Haley sai do meu abraço.
— Eu consigo lembrar, eu sei quem foi. — Ela diz com a voz chorosa. Seus cabelos cumpridos estão embaraçados, e seu rosto está vermelho. Elisa se abaixa perto da cama e pega sua mão.
— Você precisa se acalmar, querida. — Toda sua preocupação está condensada na fala. Joseph não diz nada, mas observa sério.
— Eram duas mulheres. Joseph a conhece, vi os dois juntos! — Levanto da cama e fico perto de Simon. Sei o que vem agora. Não consigo olhar para Joseph.— Mas que desgraçada insolente! — Joseph cospe as palavras enquantoaponta o dedo indicador para Haley, a outra mão está no bolso da calça, o ato levantando o blazer. Ele não se dirige a mim, mas não posso deixar de me encolher.
— Haley, você tem certeza? — Elisa pergunta, e agora não acho que ela esteja só preocupada, ela parece estar com medo.
— Ela tinha os cabelos brancos, não dá para confundir! Eu vi! Ashley também viu! — O olhar que Joseph me dá quase chega a doer.— Me diga então, Ashley, é verdade? — Sinto os olhares em mim. Meus batimentos estão tão altos que todos devem estar ouvindo. Não sei quanto a Haley ter visto a mulher na sua casa, mas eu sei que a vimos com Joseph. Olho para Haley e seus olhos parecem implorar. Mas e o que Joseph fará comigo se eu disser que vi? E se Haley estiver enganada?
— Ashley? — Joseph pressiona.
— Eu não lembro de ter visto. — Digo com a cabeça abaixada. Não acho que minhas palavras soaram verdadeiras, mas foram ditas, e isso é o que conta.
— Então estamos conversados, amanhã essa daí volta para a província. Eu não tolero ingratidão. — Joseph diz a última frase pausadamente em um tom autoritário e sai em seguida. Elisa levanta e com passos pesados vai atrás dele. Sei que terão a conversa verdadeira, aquela que as crianças não podem ouvir.
Simon solta um suspiro e senta na cama com Haley. Eu não sei o que fazer. Não consigo olhar para ela. As paredes do quarto de Simon, lotado de brinquedos, parecem se juntar para me esmagar. Quando percebo estou correndo para casa, sabendo que Haley nunca me perdoará.
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Cidade do Sol
Ficción GeneralUma sociedade distópica, com mortes misteriosas acontecendo. Duas mulheres completamente diferentes, unidas por um propósito em comum. Há dois lados de Meridia: a Capital Solar, onde o progresso atingiu seu ápice, e as Províncias Solares, onde tudo...