Desço da esfera com uma caixinha em mãos e entro em casa, aliviada por estar de volta. Depois da conversa com Emily fui levada de carro até a estação, onde uma esfera me aguardava. Houve um tempo em que elas guardavam informações sobre rotas e passageiros, mas por motivos de privacidade não fazem mais isso. Você solicita, uma delas vai até a sua localização, te leva ao seu destino e apaga toda informação sobre isso. Simples e eficaz.
Suzan não está em casa. Verifiquei todos os cômodos, e nem sinal dela. Ela já deveria ter voltado do trabalho a esta hora, daqui a pouco o sol já vai ter desaparecido por trás dos prédios. Guardo a caixinha no fundo do meu closet. O motorista me entregou, e disse que cumpria uma ordem de Emily. Passo os dedos sobre a pulseira e a tela acende. Busco por Suzan nos contatos e deixo uma mensagem.
— Estou esperando em casa, onde você está? — Espero alguns segundos, e quando penso que ela não vai responder, uma mensagem chega.
— Ah Ashley, que bom! Estava muito preocupada, estava na casa da Anahí, estou quase chegando. — Anahí é amiga de Suzan, veio da Província de Júpiter, fizeram faculdade juntas e são inseparáveis desde então.Com isso desço para comer alguma coisa, a fome está acabando comigo. Agora penso que talvez eu devia ter aceitado o lanche que Emily ofereceu.
A meia parede da cozinha me permite ver a chegada de Suzan na sala. Ela chega assim que termino meu jantar. Depois de jogar a bolsa na sala ela vem na minha direção me puxando para um abraço. A familiaridade do ato me umedece os olhos.
— Sinto muito pelo que houve com Simon. Como você está? Por onde você andou? — Ela diz se afastando e examinando minhas roupas. Ela me olha como se eu fosse quebrar a qualquer momento.
— Estou péssima. — Digo limpando os olhos. Não posso falar sobre onde estive, então contorno sua outra pergunta. — Emily ficou comigo.Volto para meu lugar na mesa. Se Suzan sabe sobre Simon então todo mundo já sabe também. Mas duvido que saibam de tudo.
— Como você ficou sabendo de... tudo isso, Suzan? — Pergunto hesitando um pouco na escolha de palavras. Ela abre a geladeira atrás de mim procurando alguma coisa.
— Joseph esteve aqui. Ele estava muito... Nervoso. Parecia abalado com a notícia do suicídio. Ela responde e se senta ao meu lado com uma porção de iogurte e uma colher. — Isso confirma minha teoria, ninguém sabe o que houve de verdade. — E queria saber como você estava.Duvido que Joseph se importe o suficiente para vir ver como eu estou. Mas o que mais ele poderia querer? Não entendo, mas estou exausta demais para continuar a conversa.
— Eu acho que vou dormir mais cedo hoje, tudo bem? — Aviso enquanto levanto para colocar meu prato na lavadora. Ela segura minha mão.
— Eu vou estar aqui se precisar, Ashley. Sempre. Durma bem. — Ela diz com carinho. Deixo ela na cozinha e subo para o meu quarto.Aproveito que estou sozinha para ver o que tem na caixa. É um dispositivo que não conheço. Ele é cilíndrico, tem um botão no meio e uma das extremidades está protegida por um vidro. Dentro da caixa tem um papel dobrado, pego ele para ver o que diz. A caligrafia de Emily é delicada.
Aperte o botão apontando para o céu noturno quando quiser se juntar a nós. Sei que fará o que é certo, mas espero que seja logo. Pela nossa liberdade.
Adormeço pensando nisso e durante a noite tenho um pesadelo. Não sei onde estou, mas o lugar é bem simples com casinhas que mais parecem barracos. Estou distribuindo alimento para algumas crianças, elas estão sujas e parecem famintas. Uma figura de capuz surge no meio do aglomerado de crianças. Reconheço instantaneamente. Uma Fúria. Começo a correr mas não saio do lugar, enquanto isso a fúria se aproxima, ela carrega uma espada na mão. Olho para trás e agora estou na beirada de um prédio. Sem nada para me defender, vejo a fúria empurrar a espada no meu peito e eu caio em direção ao asfalto. O vestido azul ensopado de sangue.
Acordo assustada, e sinto um alivio por estar no meu quarto. Pela janela vejo que já está amanhecendo. Levanto da cama e me preparo para o treino. Minha cabeça está lotada, e a familiaridade da esgrima pode me ajudar a por as coisas no lugar.
Chego na academia e coloco meu traje. Faço meu aquecimento enquanto me preparo para entrar na pista. Viro para o lado e vejo que um homem me observa. Ele é alto e bonito, tem os cabelos grisalhos bem aparados e suas roupas são elegantes. É Joseph. Ele faz um sinal para que eu me aproxime. Não gosto da ideia de falar com ele, mas não sei o que mais poderia fazer, então acabo indo.
— Ashley, como está? — ele pergunta com um cuidado fingido.
— Vou ficar bem, em algum momento. E o senhor? — Ele balança a cabeça. Quero me enterrar para não ter que continuar a conversa.
— Tenho me sentido muito mal, querida. — Não gosto de como ele finge uma intimidade que não temos. Ele suspira e se dirige para o banco ao lado, fazendo um gesto para que eu sente também, eu sigo seu exemplo e sento. — Sei que vocês eram muito próximos, você estava com ele e a namorada naquela noite, não estava? — Ele pergunta e começo a me questionar sobre onde ele quer chegar com isso. Confirmo com a cabeça e ele continua. — O que você viu naquela noite? — Ele desconfia que algo aconteceu. Será que pensa que é minha culpa? Não posso contar a verdade, todas as evidencias apontariam para Emily, e eu não quero prejudicá-la. Então eu minto.— Ele disse que precisava de um ar, nós ficamos esperando e... O senhor sabe o que houve depois. — Ele parece satisfeito com a resposta. Acho que acredita em mim. Ele olha para um ponto qualquer pela janela de vidro.
— Ele se sentia sozinho desde o desaparecimento da mãe, Elisa era tudo para ele. Imaginei que isso aconteceria em algum momento. — Ele fica em silêncio por um momento, parece estar pensando em como prosseguir a conversa. — E, Ashley, talvez você pense que viu mais alguma coisa. Mas a nossa cabeça pode distorcer as coisas, sabe? Isso foi tudo o que aconteceu com Simon, e pode acontecer com qualquer um. — Sua postura vai de pai enlutado para um agressor em potencial. Eu adoraria dizer que esse seu lado é novo para mim, mas não, sei exatamente quem Joseph é. Seus olhos se cerram na minha direção, e eu entendo a ameaça. Meu coração está acelerado e não consigo falar nada. — Mas para que não aconteça com você, a gente pode conversar um pouco, eu procuro você depois, não se preocupe.* — Alguns esgrimistas passam ao nosso lado e ele levanta se preparando para ir embora.
— Muito bem, tenho assuntos para resolver, já está na hora de ir. — Ele vira para ir embora.Como ele sabe?
Como ele pode saber que não foi um suicídio?E por que está tentando me calar quando deveria está procurando o assassino? São perguntas que não tenho respostas. Joseph se vira para mim de novo. — Tenha um bom dia, querida, não esqueça do que eu disse.
Subo na pista e posiciono meus pés. Direito na frente, esquerdo atrás. Faço os movimentos de saudação para a pessoa que está na minha frente. Mão direita para cima, depois perto do queixo e por último para baixo. E então começo a golpear meu oponente até que o suor escorra pelo meu corpo, deixando meu traje pegajoso. Minha espada pisca em vermelho repetidas vezes, sinalizando sempre que o adversário é atingido. O esforço físico clareando minha mente.
Simon sempre achou que eu poderia fazer mais. Eu sei do que sou capaz, sei da minha força. Então por que estou aqui como um animal indefeso e enjaulado? Simon merece justiça e eu não deveria abaixar a cabeça para Joseph. E talvez Emily estivesse certa, isso também é sobre a minha liberdade.
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Cidade do Sol
Ficción GeneralUma sociedade distópica, com mortes misteriosas acontecendo. Duas mulheres completamente diferentes, unidas por um propósito em comum. Há dois lados de Meridia: a Capital Solar, onde o progresso atingiu seu ápice, e as Províncias Solares, onde tudo...