ASHLEY
Vasculho o closet procurando pela caixinha. Meu coração dispara quando não encontro. Desço as escadas correndo e encontro Suzan no sofá da sala. Minhas mãos gelam, e quase verifico o pulso para ver se o sangue parou de correr quando noto o que ela tem nas mãos.
- Está procurando por isso? - Ela levanta a caixinha enquanto pergunta. Droga. Não sei como eu pretendia contar, mas com certeza não era assim. Não respondo e ela continua. - Sei muito bem que esse aparelho não é daqui, e não quero acreditar que você tem qualquer coisa a ver com as pessoas que usam isso.
- É apenas um presente. - Preciso acalmá-la mas sei que não posso mentir para ela. - Emily me deu.
Ela puxa o papel dobrado. Eu tinha esquecido disso.
- "Aperte o botão apontando para o céu noturno quando quiser se juntar a nós. Sei que fará o que é certo, mas espero que seja logo. Pela nossa liberdade." Sinceramente, não sei o que pensar disso, Ashley. - Ela olha para mim com os olhos semicerrados. Ela já suspeita do que se trata, e posso ver como está preocupada.
- Juro para você que não é nada ruim. - Me aproximo dela enquanto falo, esperando que ele não se exalte.
- Se não é ruim por que escondeu isso? - Me dou conta de que ela mexeu nas minhas coisas. Ela percebe meu descontentamento mas não diz nada a respeito. Sua expressão é séria. - Ashley, eu quero uma explicação para isso e eu espero que você seja sincera.Não sei o que fazer. Eu confio em Suzan, mas contar tudo o que houve não é algo que eu queira fazer, nem sei se deveria. Por outro lado não posso simplesmente ir sem falar nada. Suzan sempre esteve comigo. A casa dos nossos pais não foi um ambiente acolhedor, mas Suzan sempre deixou tudo mais leve. E quando ela teve idade suficiente para ir embora fez questão que eu a acompanhasse. Somos como carne e unha.
- Simon foi assassinado. - Baixo a cabeça incapaz de olhar para ela. - Eu estou fazendo isso por ele.
- Ashley, isso é coisa para a polícia! Não é função sua! - Ela não duvidou? Ela já sabia? Olho para ela e vejo que está com uma mão na cintura e a outra na cabeça, os cabelos pretos sempre perfeitos agora desgrenhados.
- Eles não vão fazer nada! E se eu abrir a boca sobre isso Joseph vai me matar. Eu não deveria contar isso nem pra você! - Falar em voz alta fez parecer mais real. Suzan está tão pálida que parece que vai desmaiar, suspeito que o mesmo pode ser dito de mim.
- Caramba, Ashley, como você se envolveu nisso tudo!? - Ela se levanta e fica andando de um lado para o outro, está prestes a arrancar os cabelos. - Por que diabos Joseph faria isso?
- Simon era um rebelde. - Ela vira para mim. Sua expressão de espanto está misturada a algo que não reconheço.
- Isso está cada vez pior. - Ela senta ao meu lado e coloca as mãos no rosto, os cotovelos sobre as pernas cruzadas em borboleta.Conto para ela tudo o que aconteceu. Como as coisas deram errado no jantar. Como eu acordei numa base rebelde e tudo o que Emily me contou. Explico melhor sobre a visita de Joseph.
- Não quero que aconteça nada com você, Ashley. - Seus olhos estão tão tristes, que começo a duvidar da minha decisão. Mas, e se Joseph decidir que é mais seguro se eu estiver morta de uma vez? E se ele machucar Suzan? Eu não deveria tomar essa decisão por medo, e sim por que é o certo a se fazer. Simon acreditava que eu deveria fazer isso. E eu não sei o quão ruim é a vida fora da capital. Sempre soube que não era como viver aqui, mas é ruim o suficiente para começar uma rebelião? De qualquer forma, eu poderia voltar para casa a qualquer momento, certo? Não acho que Emily me forçaria a ficar.
- Eu vou ficar bem. - Uma promessa que não sei se posso cumprir. Pego a mão de Suzan, e acaricio seu dorso.
- Eu espero que sim. - Ela diz com um olhar triste.Volto para o quarto e preparo minhas coisas para ir embora. Não sei exatamente o que levar, mas vou me esforçar para levar apenas o suficiente. Algumas horas depois tenho uma mochila e três malas grandes prontas. A ansiedade me percorre quando percebo que já anoiteceu. Pego o aparelho que Emily me deu, seu pequeno botão me convidando a apertá-lo. Corro para a janela, aponto para o céu e aperto. Um feixe de luz azul sai cortando o céu nublado. Não sei por quanto tempo deveria apertar, mas paro depois de alguns minutos. Será que funcionou? E se ninguém tiver visto? Volto para a cama e me reviro a noite inteira.
Acordo com um barulho de pés arrastando. Levanto e pego minha espada ao lado da cama. Emily está sentada na poltrona olhando para mim.
- Desculpa! Tentei não fazer barulho mas... Não quis te acordar. - Olho pela janela e noto que ainda não amanheceu.
- Não, tudo bem. Que horas a gente vai? - Respondo esfregando os olhos e sentando na cama.
- Quando você estiver pronta. - Ela olha para a quantidade de bagagem e começa a rir. - Vai ter que tirar algumas coisas dessas suas malas.Reorganizamos minhas coisas e uma mochila e três malas grandes foram reduzidas a apenas uma mala pequena. Alguns hábitos são difíceis de perder. Vou ter que me virar com isso, mas sinto que é uma mudança que vou precisar fazer, de qualquer forma.
Descemos para a cozinha e encontramos Suzan. Emily já sabe que falei com Suzan, não ficou satisfeita, mas disse apenas que as consequências disso seriam responsabilidade minha. Seus olhos estão inchados, provavelmente chorou a noite toda. Me parte o coração deixá-la sozinha. Meu conforto é saber que Anahí poderá apoiá-la quando necessário.
- A gente já está de saída. - Digo para ela enquanto encosto minha mala na parede. Chego perto dela e a vejo descontar o estresse nos ovos dentro da frigideira.
- Eu não consegui dormir. Estou preparando um café, por que vocês não esperam? - Meus olhos buscam a aprovação de Emily e ela concorda com a cabeça.Emily senta à mesa enquanto eu ajudo Suzan a cozinhar. Não posso deixar de ficar um pouco triste em saber que há uma possibilidade de essa situação tão comum nas nossas vidas acabar não acontecendo de novo.
Mas não quero que esse seja um momento triste. Passo os dedos na pulseira e procuro pela musica favorita de Suzan. Quando as primeiras notas de Burning do Yeah Yeah Yeahs soam, Suzan levanta a cabeça na minha direção. Ela sorri e inclina a cabeça. Canta a música inteira com a espátula como microfone e eu acompanho quando posso.
Emily acha graça mas não cantarola ou diz qualquer coisa. Não posso deixar de pensar em como a música parece ter sido feita para esse momento da minha vida, sobre tudo o que eu tenho descoberto.
"What they're hiding there
Is broke, broke, broke"Quando a música acaba, os ovos estão prontos, e comemos com apenas o barulho dos talheres como trilha sonora. Pensei que a música apaziguaria os ânimos de Suzan, mas ela prova que não quando questiona Emily.
- O que vocês pretendem fazer? Temos um sistema muito bem estabelecido, não acho que vocês terão uma missão simples. - Emily não se deixa intimidar por Suzan.
- Estas informações são confidenciais. Ashley saberá quando for o momento. - Elas se encaram por um tempo e eu queria não ter esperado pelo café.
- Não pense que eu estou totalmente alheia ao que vocês tem feito. - Olho confusa para Suzan. Do que ela está falando?
- Nós temos os nossos métodos. Não existe triunfo sem alguns sacrifícios. - Que sacrifícios? Elas se encaram por um instante como se estivessem prestes a iniciar uma batalha sobre a mesa da cozinha. Nenhuma das duas desvia o olhar, e se eu não intervisse não sei por quanto tempo mais aquilo se estenderia.Nos preparamos para sair, e Suzan me dá um abraço.
- Ashley, eu sei como você pode ser... Flexível demais. Mas não se deixe levar, saiba quais batalhas são as suas, ok? - Ela beija minha testa. - E não importa o que aconteça, você sempre terá um lar esperando por você.Algumas lágrimas depois, entro na esfera com Emily. Minha decisão foi tomada e espero muito não me arrepender dela. A música ecoa na minha cabeça.
"Whatcha gonna do when you get to the water?"
Ao fim do percurso descemos da esfera e começo a entrar em desespero. O carro que nos espera está vazio. O que houve com o motorista?
***
TRADUÇÃO DOS VERSOS DA MÚSICA
What they're hiding there
Is broke, broke, brokeO que eles estão escondendo lá
Está quebrado, quebrado, quebradoWhatcha gonna do when you get to the water?
O que você vai fazer quando chegar à água?
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Cidade do Sol
Genel KurguUma sociedade distópica, com mortes misteriosas acontecendo. Duas mulheres completamente diferentes, unidas por um propósito em comum. Há dois lados de Meridia: a Capital Solar, onde o progresso atingiu seu ápice, e as Províncias Solares, onde tudo...