ASHLEY
Pilhas de corpos sem vida se amontoam pela sala ao lado da que fomos mantidas. Uma espécie de escritório: mais móveis marrons.
— Nós não temos muito tempo. — Emily me diz enquanto volto ofegante para a sala das caixas.
— Por que todas essas coisas? — Digo avaliando as caixas, com uma carne enlatada em mãos. — Armas e comida, para quem? Isso alimentaria um exército.Emily se aproxima, mas não tira os olhos da porta e ainda mantém as mãos firmes na própria faca.
— Ou um grupo pequeno por vários dias. — Nossos olhos se encontram e eu entendo: As fúrias.
— Você acha que...?
— Com certeza elas conhecem nossa localização. Mas não sabem o ponto exato. Provavelmente ficariam aqui durante alguns dias até nos encontrar. — Penso no desastre que seria se fossemos pegos de surpresa.— E o que a gente faz? — Pergunto a Emily enquanto volto pra verificar a porta.
— Não podemos deixar tudo isso aqui, antes eu queimaria, mas também não podemos desperdiçar tanta comida. — Suas sobrancelhas estão franzidas, e quase posso ver as engrenagens se movendo na sua cabeça.— Ainda precisamos dar um sinal para que os outros nos encontrem. — Lembro a ela.
— Encontre Lorenz e queimem qualquer coisa para dar o sinal, vou tentar salvar o máximo que eu poder.
— Como você vai salvar qualquer coisa? Não podemos ficar aqui por muito tempo! — Ela me olha severamente, mas eu não recuo.
— Se ninguém aparecer em dez minutos fujam pela mata, com ou sem mim. — Não sei como as coisas são para Emily, mas para mim, ela não é apenas uma líder. Eu não a abandonaria nem por toneladas de comida.
— Vamos... — Meu pedido é quase um sussurro. — Por favor. — Eu acrescento. Seus olhos verdes me encaram sérios mas, ela sabe que não há muito a se fazer na situação em que estamos. Ela balança a cabeça, olha para trás e começamos a correr.Em um dos corredores, uma figura se aproxima de nós, parece cansado e se apoia na parede. O alívio me percorre quando percebo que é Lorenz, está encharcado de sangue, mas não parece ferido. E, é difícil, mas, encontramos a saída. Juntamos tudo o que é possível para fazermos uma fogueira.
Lá fora, entre árvores e o casarão que nos trancafiava a fogueira começa a estalar. A casa é enorme, e a mata é fechada. Seria completamente inacessível se não fosse pela estrada de terra que chega por entre as árvores. Mão consigo afastar a ideia de que alguém sairá da floresta para nos atacar a qualquer momento. Emily se afasta um pouco e penso que ela está procurando mais madeira, mas ela volta correndo ofegante e parece... animada? Será que já vieram nos buscar?
— Do outro lado... — Ela faz uma pausa e toma fôlego. — Há uma garagem com um caminhão! Podemos carregar a comida! — Penso no quanto será exaustivo carregar o caminhão. E se ninguém vier nos buscar? E se precisarmos fugir a pé? Por outro lado, agora temos um caminhão, isso facilita as coisas.
— Por que não usamos o caminhão para fugir, simplesmente? Eu não sei vocês, mas eu não pretendo morrer aqui. — Lorenz diz, e Emily caminha até ele e rápido demais aponta o punhal para sua garganta.
— Porque se você quiser ficar com a gente, vai ser do meu jeito. — Seu tom é de desafio, mas Lorenz não se assusta, olha para ela de cima como se ela não fosse uma ameaça. Ele não fala nada e Emily se afasta. — Não podemos perder tempo, vamos logo.A segunda porta que me chamou atenção no depósito dá direto para a tal garagem. O caminhão está fora. A nossa captura deve ter atrasado as coisas, porque ainda há algumas caixas no caminhão. Já transferimos pelo menos um terço do suprimento, quando ouvimos um carro chegar. Nós três paramos e Emily olha se esgueirando pela parede. Não tenho um pressentimento bom.
— São elas. — Emily diz sem som. Um arrepio percorre meu corpo. Não estou preparada para isso de novo. Elas levaram Simon, é por causa delas que minha vida virou de cabeça para baixo. Começo a me desesperar e minha respiração está completamente desgovernada. Emily nota meu descontrole e se aproxima.
— Ei, elas entraram lá dentro, você só precisa chegar entrar no caminhão e tudo vai ficar bem, ok? — Confirmo com a cabeça, embora ache a missão impossível.
Começo a andar quando o tumulto começa, Emily e Lorenz atacam a mesma fúria que sai do depósito direto para a garagem onde estão. Ela é rápida e desvia, mas seu manto é rasgado de cima a baixo.
— Achei os ratinhos. — A Fúria grita para as outras, enquanto arranca o manto preto do corpo, exibindo uma mulher de cabelos pretos e cumpridos, seus olhos manchados de sombra preta. Ela veste uma calça justa, corset e botas, todas as peças pretas. Não sei quantas delas vieram, em qualquer desvantagem de número, seria impossível sair com vida daqui. Uma segunda fúria aparece, coberta pelo próprio capuz. Com duas lâminas nas mãos ela se lança contra Lorenz. Enquanto a outra tem sua total atenção em Emily. Uma agitação de manto e lâminas se instaura na garagem. Entro na parte de trás do caminhão e me encolho entre as caixas. O coração martelando no peito e o suor frio cobrindo meu rosto e mãos.
Sei que estamos perdidos quando uma terceira fúria aparece. Mas ela não ataca Emily ou Lorens, ela vem na minha direção. Meu coração dispara de um jeito que não achei que fosse possível e não consigo me mover. Ela tem um sorriso cruel nos lábios e caminha devagar até mim.
Quando tira o capuz, os mesmos cabelos negros caem pelos ombros, os mesmos olhos e o mesmo rosto. Ela é exatamente igual a outra fúria, seriam gêmeas? Meu terror só aumenta agora que ela está bem na minha frente, eu apenas me encolho. Minha espada nas minhas mãos agora não passa de um peso.
— Olá, ratinha! — Ela diz com os olhos bem abertos. Ela se prepara para subir onde eu estou.
— Olá! — A familiar voz precede um tiro que acerta sua cabeça e ela cai sem vida sangrando. O agressor entra na minha linha de visão e eu nunca, nunca fiquei tão feliz em ver esse rosto. Haley veste a habitual jaqueta de couro e dispara várias vezes na direção da fúria caída. — Só pra garantir. — Ela sorri para mim com respingos de sangue no rosto, seu sorriso se desfaz quando vê o terror em meus olhos. — Você precisa de ajuda?Não tenho tempo de responder porque Emily grita quando uma outra fúria aparece e enfia uma faca em sua coxa. É arriscado demais atirar e Haley sabe disso, ela pega uma faca da fúria morta e corre para auxiliar os dois. Ryan também aparece e não demora para que as outras três Fúrias também estejam caídas.
Os outros ainda não voltam, mesmo com a o fim da luta. Me aproximo da abertura para ver o que está acontecendo. Mas meus olhos são interceptados pela movimentação na frente da casa. Vejo uma mulher disparar pelas portas direto para o carro. Faz muitos anos desde que eu a vi, Dayse está um pouco mais velha agora, mas eu a reconheceria em qualquer lugar.
Tudo o que houve entre Haley e eu sempre me tirou o sono, a culpa sempre esteve comigo. Mas, para manter a sanidade, às vezes eu ainda tentava me convencer de que tudo foi um engano da parte dela, e eu realmente estava certa. Mas agora, vendo a maldita mulher entrar no carro, não há dúvidas de que eu nunca estive com a razão. Eu condenei Haley, e era eu quem estava errada.Dentro do carro, Dayse vira na minha direção e me vê paralisada de pé na parte de trás do caminhão. Ela não esboça reação, acelera e vai embora. O vento agitando os cabelos prateados presos no rabo de cavalo.
Volto para o meu lugar, sento novamente e escondo o rosto entre os joelhos envoltos pelos meus braços. Meu auto controle volta a me abandonar, e as lágrimas quentes rolam pelas minhas bochechas. Não vejo ela chegar, mas Haley me abraça e afasta meus cabelos do rosto. — Está tudo bem, Ash. — A culpa me invade, não acho que eu seja digna do carinho. Mas aceito mesmo assim, e me esforço para acreditar em suas palavras.
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Cidade do Sol
Fiksi UmumUma sociedade distópica, com mortes misteriosas acontecendo. Duas mulheres completamente diferentes, unidas por um propósito em comum. Há dois lados de Meridia: a Capital Solar, onde o progresso atingiu seu ápice, e as Províncias Solares, onde tudo...